Manuel Cármine Resende Ferreira
Alf. Mil. Art. em Jolmete (Pelundo - Teixeira Pinto)
A Minha Guerra - Guiné 1969-71
Fui
mobilizado para a Guiné em Fevereiro de 1969. Após a minha recruta como cadete
na Escola Prática de Infantaria em Mafra, de Julho a Setembro de 1968 (3º
turno), foi-me atribuída a especialidade de “Atirador de Artilharia”, por isso
fui “tirar” a especialidade em Vendas Novas, na Escola Prática de Artilharia,
de Outubro a Dezembro de 1968. Terminado o curso fui colocado nos Açores, no
Batalhão Independente de Infantaria 18 nos Arrifes, em Ponta Delgada, para onde
segui em meados de Janeiro de 1969, no navio “Angra do Heroísmo”.
Cerca de um mês depois de
lá estar recebi ordem de marcha para me apresentar no quartel do Pragal
(Almada) para fazer o IAO (Instrução de Aperfeiçoamento Operacional), a fim de
ser integrado no Batalhão de Caçadores 2884, que seguiria para a Guiné. Como o
transporte era escasso, esperei pelo próximo barco, o FUNCHAL, que saiu de
Ponta Delgada em 28 de Fevereiro de 1969, dia do grande tremor de terra aqui no
continente.
Este Batalhão era
constituído pela Companhia de Comando e Serviço (CCS), e pelas Companhias
Operacionais 2584, 2585 e 2586. A minha seria a Companhia de Caçadores 2585.
Feito o IAO embarquei para a Guiné a 7 de Maio de 1969, no paquete Niassa, onde
cheguei a 12 do mesmo mês. Após alguns dias em Bissau disfrutando
daquele calor intenso e húmido, o Batalhão foi para Pelundo (zona de Teixeira
Pinto), onde ficou sediada a Companhia CCS e a Companhia Operacional 2586,
tendo sido atribuído o destacamento de “Jolmete” à minha Companhia 2585 e “Có”
à 2584. No dia 17 de Maio chegamos a Jolmete, onde fomos recebidos pela Companhia
2366 que nos esperava e íamos substituir.
Nos dias que estivemos em
Bissau fomos informados pelo Governador e Comandante-Chefe Sr. General Spínola,
que a responsabilidade da nossa Companhia, a 2585, iria ser muito grande, pois
íamos substituir uma das melhores Companhias Operacionais da Guiné (acção
psicológica já a funcionar). Foi-nos dito que esta Companhia, comandado pelo
Sr. Capitão Barbeites, era considerada uma das melhores companhias operacionais
da Guiné, quer pelo seu trabalho operacional, quer pela obra começada da
construção do quartel a partir do nada, e que nós (2585) soubemos continuar.
Chegamos na altura da
transição do tempo seco para a época das chuvas, que começava a 15 de Maio, e
que de facto começou. Foi uma sensação muito estranha, para quem não estava
habituado, chuva torrencial e calor ao mesmo tempo. Com as chuvas começava a
época da bicharada. Coisas que só compreende quem lá esteve …
A nível operacional, nos
dez dias de sobreposição de companhias, tudo correu bem. Saíamos em
patrulhamentos com os grupos de combate da companhia cessante, mas não íamos
para zonas perigosas. O interesse da 2366 era passar o testemunho da melhor
maneira possível, sem correr grandes riscos, pois a “peluda” estava próxima. No
dia em que a Companhia cessante se foi embora, a 27 de Maio, começaram os
nossos problemas com 2 mortos e vários feridos, não em combate, mas por
acidente com arma de fogo.
Ao chegarmos ao quartel, depois da operação de
segurança e protecção à coluna auto que levou a 2366 para o Pelundo, o soldado
que transportava a BASUCA ao retirar a granada da arma, talvez por deficiência
da mola ou por descuido, ela caiu pelo tubo, explodindo ao tocar no chão. Este
foi o primeiro contacto com a triste realidade das mortes e evacuações. A
partir deste dia, entregues a nós próprios, começamos a fazer a nossa guerra.
Fazendo uma retrospectiva
devo concluir que não nos demos muito mal com o sistema adoptado. Saídas
diárias evitaram flagelações ao quartel, que nunca tivemos, todavia emboscadas
no mato eram constantes. Nos 21 meses de mato a Companhia esteve 28 vezes
debaixo de fogo, e eu com o meu grupo de combate (4º Grupo) estive 22. Lembro
perfeitamente como se fosse hoje a primeira emboscado a sério em que caímos.
Emboscada em “U” em que nós entramos pelo centro. Foi a 22 de Julho de 1969.
Tivemos 2 mortos e vários feridos por tiro de RPG e respectivos estilhaços.
“HOMENAGEM”
Neste apontamento quero e
tenho o dever de salientar o contributo altamente positivo dos soldados
africanos do Pelotão de Caçadores Nativos Nº 59, comandado inicialmente pelo
colega Alferes Mosca, e pela secção de milícias, comandada pelo chefe da
milícia, o célebre “DANDI”, mais tarde promovido a Capitão de Milícia pelo Sr.
General Spínola, e que já vinha com boas referências da companhia anterior.
Sempre que saíamos para o mato estes homens iam sempre à frente, pois como
conhecedores do terreno, sabiam como chegar ao objectivo.
O Dandi natural do Jol,
conhecia como ninguém todos os recantos da mata. Bom guerrilheiro, bom caçador,
muito nos ajudou a evitar cair em emboscadas, abrindo trilhos novos na mata.
Quando saíamos para o mato com ele, ninguém tinha medo, por mais difícil que
fosse a missão. Mais tarde fez parte do rol dos fuzilados. Sinceramente não sei
se a Cruz de Guerra prometida pelo Sr. General Spínola lhe foi entregue antes
de 1975. Que será feito dos outros?
Apesar do primeiro
contacto a sério com o inimigo, já referido atrás, com 2 mortos e alguns
feridos, o dia ou o facto que mais me marcou durante toda a comissão, e o fez
profundamente, foi a morte dos Oficiais do CAOP, os três Majores e o meu colega
Alferes Mosca (além dos outros três nativos) no dia 20 de Abril de 1970, em
prol da paz e do entendimento dos povos do “Chão Manjaco”.
O Alferes Joaquim João
Palmeiro Mosca pertencia à minha Companhia, 2585, pois era comandante do Pel.
Caç. Nat. 59 (já referenciado) que fazia parte da Companhia, embora a rendição
fosse individual. Em Set./Out. de 1969 o Alferes Mosca foi convidado pelo CAOP
em Teixeira Pinto, para cuidar das plantações experimentais que se começavam a
desenvolver no Chão Manjaco, pois ele era Regente Agrícola de formação.
Como as suas qualidades
para a “PSICO” eram boas, foi convidado para colaborar nessa área com o Sr.
Major Joaquim Pereira da Silva, Oficial de Informações e Coordenador da Acção
Psicológica com as populações. Estas acções da “psico” deram tantos frutos que
praticamente de Novembro de 1969 a 20 de Abril de 1970 (fatídico dia), não
tínhamos contactos com o “IN”, nem tínhamos autorização para abrir fogo em
primeiro lugar, caso os víssemos, tendo até havido alguns que se entregaram
voluntariamente. Sabíamos que o “IN” procedia exactamente como nós, pois as
ordens que tinham eram iguais.
O Sr. Major Magalhães Osório e o Sr. Major
Passos Ramos estavam mais ligados à parte operacional, como planeamento de
operações conjuntas e afins e que nos visitavam diariamente do ar, com a sua
DO, a perguntar se estava tudo bem, se era preciso alguma coisa, pois sabiam a
nossa posição exacta no mato. Estes dois Majores e o respectivo comandante, Sr.
Coronel Alcino, eram visita constante ao nosso quartel em Jolmete.
Como a Companhia estava
empenhada na construção de casas para a nossa população, composta quase
exclusivamente por militares do Pel. Caç. Nat. 59 e milícias, com as
respectivas famílias, foi uma época propícia à descoberta e transporte de
matéria prima para as obras: pedras, que eram poucas e madeiras que íamos
procurar junto ao rio Cacheu, completamente avontade e sem grande segurança. Na
minha modesta opinião e traduzindo os sentimentos da altura, perdemos ali, de
uma só vez, um conjunto de Oficiais único e inigualável. Mas como dos fracos
não reza a História, é por isso que ainda hoje eles são falados …
Escusado será comentar que
as tréguas que existiam acabaram nesse dia. Nos meses que se seguiram até ao
fim do ano de 1970 tivemos uma actividade operacional muito intensa. Felizmente
não houve mais baixas. Passamos a pasta à Companhia que nos sucedeu a C Caç
3306 em Fevereiro de 1971, tendo regressado a Bissau para embarque. Após alguns
dias de atraso do “UIGE”, embarcamos a 26 de Fevereiro, tendo chegado ao cais
de Alcântara em 2 de Março de 1971.
Era
costume o Sr. General Spínola convidar para um jantar de despedida com bate-papo
os comandantes de Companhia (Capitães) e um dos alferes de cada companhia antes
do embarque de regresso. Em relação à minha Companhia a 2585, O Sr. General fez
questão de convidar todos os alferes além do Capitão, como recompensa pela
actividade desenvolvida. Ainda me lembro que o prato foi arroz de frango. Nessa
altura já o Sr. General Spínola dizia que a Guiné não tinha solução pela
guerra. Manifestava muitas ideias que mais tarde veio a publicar no seu livro
“Portugal e o Futuro”.
Nº 1 – A bordo do Niassa, a caminho da
Guiné. O sentimento dominante era de expectativa.
Nº 2 – Operação de patrulhamento comandada pelo nosso Capitão Tomaz da Costa, sentado ao centro. Do seu lado esquerdo, em pé, Dandi, sempre equipado a rigor; à sua direita, sentado, o Alf. Mosca.
Nº 3 – Atravessamento de uma bolanha à chegada de uma operação. O nosso quartel estava rodeado por bolanhas.
Nº 4,5 e 6 – Recolha de materiais, madeiras e pedras, para construção de abrigos e casas para a população.
Nº 7 – Eu com o Dandi, que mais tarde foi promovido a capitão de Milícia.
Manuel Resende (Ferreira)