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11 de dezembro de 2015

Post Nº 48 - Textos de Veríssimo (3)

Veríssimo Luz Ferreira
Fur. Mil. da CCAÇ 1422 - Pelundo















EU SOU DO TEMPO EM QUE:

(Continuação)
130 - aos sete de idade, fui prá escola, (donde saí após a formatura com a 4ª classe) primeiro ali junto à igreja e com a Senhora Professora D. Maria Alcina e depois fui inaugurar a de lá em cima, nas Avenidas Novas;
131 - o meu professor foi então o Sr. Garibaldino d'Andrade;
132 - foi a época da descoberta e dos bichos da seda;
133 - comprados pequeninos, depressa cresciam alimentando-os com folhas das amoreiras que ali existiam numa propriedade atrás da "balança". O caseiro fingia que não nos via e deixava que colhêssemos as preciosas folhas;
134 - e ainda sobre o prof. Garibaldino:
135 - Ouvia mal...dava reguadas, mas era um bom homem. Tanto gostava de mim, que bastas vezes me dava como exemplo a seguir, mesmo qu' até eu não acertasse;
136 - na época da "apanha" da azeitona, ia com o meu pai ao "rabisco" e sempre tínhamos um ou dois litros d'azeite, para temperar o feijão com couve;
137 - fruta também não faltava... bastava colhê-la, que a ninguém parecia mal, a invasão das suas hortas;
138 - perninhas havia por demais, bastava ir apanhá-las (às rãs) ali atrás dos bombeiros;
139 - a vida era simples... descomplicada.
140 - ia à escola descalço e no Inverno, todo contente ao deslizar pelas geadas caídas durante a noite;
141 - lamentava os que iam calçados e não brincavam para não se sujarem;
142 - jogávamos nos intervalos, ao berlinde... à pata, ao hóquei e à porrada;
143 - fui obrigado a ir à catequese e em resultado das presenças assim a igreja partilhava pelo Natal, 100 gramas daquela coisa bem saborosa (manteiga) enviada para ser dada, mesmo dada, aos mais desprotegidos;
144 - a casa Vaz, oferecia todos os sábados, um quarto de pão de milho e aquilo era mesmo lindo: dezenas de miúdos, comigo incluído, à espera na escada de acesso ao 1º andar;
145 - ia pr’á bicha, ao anoitecer do dia antes em que a Intendência anunciava que iria distribuir senhas de racionamento e portanto teríamos talvez, direito a comprar um quilo de açúcar...arroz ou massa;
146 - e ali ficava até à meia-noite a marcar vez e depois, cada um dos meus familiares, para que às nove da manhã, nos pudesse calhar tal senha de acesso aos produtos mencionados;
147 - época de fome? eu não disse tal;
148 - sou do tempo sim, em que uma sardinha dava para três;
149 - e até me lambia gulosamente quando via alguém a comer pão com chouriço;
150 - (assim me criei... aprendi... enrijei e dum metro d'altura cheguei aos um metro e setenta e um d'hoje 2015).
151 - com pais como tive, foi fácil;
152 - o meu "VELHO" Belas e a minha mãe Sabina, estão aqui bem junto ao coração;
153 - tantos sacrifícios fizeram, tanto sofreram;
154 - ELE, servente de pedreiro...ELA, mulher a dias;
155 - NUNCA OS ESQUECEREI;
156 - e quanto mais estudava, mais ia percebendo que a infelicidade pode estar também ligada ao mais saber;
157 - soube então o que eram a inveja... o ódio... a traição... a cobiça e compreendi o que era a fome;
158 - aos dez fiz a 4ª classe e até a admissão ao Liceu e fui ao dentista;
159 - comecei a usar a pasta medicinal Couto;

160 - se vendia leite de porta em porta e por medidas;
161 - 125 dcl, era o que se podia comprar embora a leiteira deixasse sempre de cagulo;
162 - havia piscos... papó-figos... verdilhões, melros e estorninhos, que também caíam (embora levando-as até 10 metros mas com elas - as costelas - agarradas ao pescoço, por aí ficavam) e que bem saborosos eram fritos após depenados;
163 - isto no Vale do Bispo-Fundeiro, porque na Pedreira, não faltavam barbos e bordalos bem como no Poceirão onde na época própria até bogas (que tinham de ser apanhadas com um anzol pequeno) ou salmão e lampreia (mas antes de terem feito a barragem de Montargil);
164 - escamados e salgados ainda vivinhos, prodigalizavam boas fritadas se pequenos, mas se grelhados, eu gostava mais;
165 - ali nos "blocos" (atrás do cinema) apanhava enguias com um garfo e foi aí também, que aprendi a nadar à força, com a ajuda dos mais velhos, que nos atiravam à bruta, para dentro do rio;
166 - mais acima e à entrada da Barroqueira, estava o moínho do Sr. Manuel Reis, onde com 20 centavos, comprava a farinha de milho para fazer o isco;
167 - a taberna do Sr. Zé Toucinho era mesmo logo ali a 100 metros e algumas vezes lá "matei o bicho";
168 - fui trabalhar para a moagem e os vinte escudos ajudaram a alugar casa no "Puto Gatuno" na rua do volta atrás, com a renda mensal de dez mil réis;
169 - pobre não tinha direito a estudar, (disseram as autoridades:"de graça nem pensar" mas que me era permitido sim, ir para padre, ao que o meu pai respondeu: "Vão pró Vatícano" (com acento no i);
170 - a "ti" Vicência, dona da taberna e mercearia onde eu ia mandado, buscar fiado pagando-se-lhe ao sábado, apontava dez tostões fazendo um "X", cinco uma argola ou seja "0" e um tostão um risco " / ";
171 - ao Domingo podia ficar a dormir até que a minha Velhota chegasse da praça, onde ia comprar qualquer pequena quantidade de peixe pouco fresco do mar, ao mesmo tempo que me brindava com cinco tostões de "burenhol" e me fazia umas papas de farinha de fava, ou um cafezinho de cevada na "chocolatera" tudo servido na cama de tábuas dos caixotes de sardinha e colchão de "camisas" das maçarocas do milho;
173 - as tardes eram passadas a ler o "Século" e ouvir os relatos do futebol ali perto no quartel dos Bombeiros;
174 - cheguei aos catorze anos;
175 - alto lá! tudo se modificou;
176 - fui prá Banda aprender música e seis meses depois lá fiquei com o instrumento dos meus sonhos e até cheguei a 2º trompete a actuar ora aqui ora ali;
177 - frequentei semanalmente ao sábado à noite e doutorei-me, na D. Nazaré (na Frialva) mesmo ao lado da tasca do Sr. David que era o baterista do Conjunto "Os Invencíveis";
178 - aos Domingos de tarde ali estava nos locais onde haviam petiscos, que um ou outro dos meus amigos (trabalhadores como eu) levava, ou que a própria casa preparava;
179 - ganhava já, 250 escudos e podia ter estas excentricidades, até bem saborosas, "por adrego". Tornei-me "maniento" enfim e a usar "marrafa" pois então;
180 - apareceu a televisão;

181 - comecei a estudar o 1º ciclo dos Liceus, como "trabalhador estudante" e com a preciosa ajuda e incentivo de GENTES muito boas: FAMÍLIA ARTEIRO;
182 - e assim se passaram uns belos anos: no trabalho, passei para o escritório; aos dezoito entrei na Função Pública; nos exames liceais... fui passando; namoricos não faltaram; bailes e comezainas qb;
183 - fiz novos amigos, estudantes no colégio, que também me iam ajudando nas dúvidas dos livros de estudo;
184 - "nasceu" O Conde da Pedreira ali na loja do Sr. Artur Lino, ao lado do Café Avenida e onde mais tarde surgiu a 1ª "Casa das Iscas" do meu Amigo João Martins;
185 - aprendi que dizer "NÃO" é difícil, mas eficaz;
186 - e em 1962, fui "às sortes" e apurado para todo o serviço militar;
187 - casei nesse mesmo ano;
188 - a filha nasceu e logo a seguir fui "prá tropa";
189 - e assim começaram: “Os Melhores 40 Meses da Minha Vida”.
(Fim de: “Eu Sou do Tempo em que”)



Os Melhores 40 Meses da Minha Vida

E VAI DAÍ:
Por edital, soube que me deveria apresentar em Mafra no dia 24 de Janeiro de 1964 e na Escola Prática de Infantaria, a fim de frequentar o Curso de Sargentos Milicianos. Saí de Ponte de Sôr, pela matina e no combóio. Em Lisboa, pedi informações para ir para o Martim Moniz, local donde sairia a camioneta. A confusão era mais que muita e habituado que estava a ver só tanta gente junta, aquando das feiras, pensei: Há por aqui uma como a nossa de Outubro !!!

Bom, mas lá fui ter e parti para o destino... enquanto no entretanto comi as duas sandes, uma de torresmos e outra de toucinho cozido, preparadas que foram para a viagem. Mafra, surpreendeu-me, quando logo ali mirei, o convento. Será aqui? Duvidei a princípio, mas vendo na entrada um enorme grupo de juventude de cabelinhos cortados à inglesa curta e que esperava, a eles me juntei.

Preenchidos que foram, uns papéis, mandaram-me para o alfaiate que tirava medidas olhando-nos de alto abaixo, o que significou que recebi umas roupitas bem bonitas por acaso... um bivaque onde cabiam duas cabeçorras; duas camisas cinzentas nº 54 e eu até aí, usava 42; dois pares de calças, que me chegavam dos pés à cabeça; duas botas 47 e eu calçava 41.... e por aí fora salvo as cuecas, que e para andar aconchegadinho, me deram o "L" e eu vestia o "XL" e apartava prá esquerda.

A caserna, (assim chamavam ao quarto luxuoso onde me colocaram) era num 5º andar e 135 degraus para subir. Para me não sentir só, deixaram-me acompanhado por mais 151 rapazes do meu tamanho, e torná-mo-nos amigos. No dia seguinte, reuniram-nos num espaço rectangular e a que chamaram "A parada". Éramos, talvez, aí uns três mil, entre os que iam frequentar os cursos de Oficiais e Sargentos Milicianos, palavra esta, que poderemos traduzir desta forma: homens feitos, que após regresso da guerra, serão dispensados do serviço militar obrigatório e passam à disponibilidade, ou seja: ainda poderão ser chamados para a tropa, se houver alterações à ordem pública.

Juntaram-nos depois cá fora, sentados no chão e rodeando o Oficial Instrutor, ali ao lado esquerdo de quem entra... e esclareceram-nos sobre as normas em vigor, para contactos eventuais, com os residentes civis e também como distinguir os postos militares. Ficámos a saber, que a coisa começava desta forma: Recrutas... cabo... Furriel... Sargento... Aspirante... Alferes... Tenente... Capitão... etc; General... Marechal... E finalmente: 1º Cabo Miliciano.

Contentíssimo fiquei. Então não é, que o filho do meu pai, eu próprio, iria alcançar o mais alto posto, lá para Agosto e já especialista de Infantaria? e 1ª classe em metralhadora Dreyse 7,9 ? e 3ª classe em espingarda Mauser? e 1ª classe em comportamento? e atirador, terminada a instrução complementar?
(Continua)

  
Veríssimo Ferreira (2015)


Publicado por
Manuel Resende (Ferreira)



9 de dezembro de 2015

Post Nº 46 - Textos de Veríssimo (2)

Veríssimo Luz Ferreira
Fur. Mil. da CCAÇ 1422 - Pelundo














EU SOU DO TEMPO EM QUE:


(continuação)
60 - nasceu o Conde da Pedreira;
61 - a conselho do Sr. Lino, tal título dar-me-ia acesso a ter os calendários lindos da TAP;
62 - utilizei o esquema com outros e resultou;
63 - me voltei a apaixonar;
64 - a esta beldade escrevi uma carta que copiei num livro emprestado pela Gulbenkian, que de terra em terra, mandava uma carrinha biblioteca mensalmente;
65 - esperei resposta, mas nunca chegou;
66 - azar nos amores...sorte no jogo;
67 - saíram-me seis contos de réis na lotaria;
68 - comprei um ciclomotor Alpino;
69 - bati na parede da loja do Sr. Ramiro, atravessei arrojando a Rua Vaz Monteiro e fui cair dentro da farmácia Cruz Bucho;
70 - fiquei tonto e ainda não me curei;
71 - passei oito dias no hospital;

72 - chegou 1959 e eu ia fazer pois, os 17 anos;
73 - já tinha ouvido falar que havia uma coisa para comer a quem chamavam bife com ovo a cavalo;
74 - provei, gostei... aquilo era mesmo bestial;
75 - aprendi a dizer NÃO, mas foi difícil;
76 - o patrão decidiu aumentar-me para os trezentos mil réis mensais;
77 - no Liceu de Portalegre, completei a secção de letras do 5º ano liceal;
78 - mas chumbei na secção de Ciências, mais por culpa própria (ou talvez por culpa dos professores, que só me perguntavam o que eu não sabia) pois que nas noites antes das orais, andava eu a exibir-me nos bailes do Bonfim e daí partia directamente para os exames;
79 - vesti um fato completo, feito por medida e até me senti alguém;
80 - fui a Lisboa e sem companhia, tendo-me o meu pai explicado que no Martim Moniz devia apanhar o eléctrico para o Terreiro do Paço;
81 - tive azar que só passavam para a Praça do Comércio;
82 - vá lá, vá lá, que não apareceu ninguém a querer vender-me a estátua;
83 - precisei duma certidão de nascimento e vi que tinha nascido a 29 de Fevereiro dum ano que não era bissexto;
84 - fiz 18 anos... o meu pai emancipou-me para poder entrar na função pública;
85 - mil e cem escudos foi quanto passei a ganhar, o que quer dizer, que deixei de ser pobre;
86 - do pichelim passei para o bacalhau da Noruega;
87 - comecei a acompanhar o trio de arbitragem da 1ª divisão, (Srs. Courinha, Eduardo Figueira e João (?) );
88 - fiz exame e também comecei a apitar;
89 - não era isento... e as equipas que jogavam de vermelho penalizava-as inconscientemente;
(Daí, que mais tarde... exonerei-me, não sem que antes tenha levado com um pedaço de madeira na tola, durante um jogo no Estádio da Fontedeira em Portalegre e ainda cá está a marca);
90 - no colégio, como interna, havia uma garota que não me discriminava e a quem comecei a corresponder os olhares;
91 - tinha duas horas para almoçar e parte desse tempo comecei a passá-lo frente ao dito colégio para onde me deslocava em viatura própria, mais concretamente numa moderna bicicleta a pedais, qu'até mudança de velocidades tinha, pois então;
92 - eis senão quando... sou intimado pela autoridade GNR, (e a pedido da Directora) que estava proibido de andar lá na estrada em frente, pois que desestabilizava as piquenas;
93 - e eu?
94 - ri revolucionariamente... ri muito... e mais kms fiz porque passei a andar por lá, quer fosse manhã, tarde ou noite;
95 - também os professores, que me iam dando uns lamirés receberam instruções para o não fazerem só que não aceitaram tal, honra lhes seja feita;
96 - a pobre moça, recebeu ordem de expulsão e teve d'arranjar casa particular, que interna não podia estar mais;
97 - o diabo invejou-me quando me propus combater esta situação pidesca;
98 - eu era mau (e continuo);
99 - era muita mau mesmo.
100 - e porque continuava a estudar e era obrigado a pertencer à Mocidade Portuguesa e pagar os consequentes 30 escudos anuais;
101 - fui empossado da parte administrativa da coisa e escrever as respostas às questões doutros pertencentes à mesma MP;
102 - certo dia, recebi um "ofício" e onde se pretendia combinar uns joguitos de futebol ali com a rapaziada da Ponte de Sôr, e terminava;
103 – “A Bem da Nação” O Barbeiro de Benavila;
104 - morava ali perto dos Bombeiros e também aí colaborei como ajudante nas aulas de ginástica;
105 - certo dia, oiço o instrutor (que estava ali mais longe, e com a ilusão de óptica, disse, após ter mandado levantar a perna aos instruendos): "Quem é o bruto que está com as duas pernas no ar?;
106 - existia a Pensão Serras e onde eu bebia o cafézinho mais o bagação de medronho Sanchez;
107 - fui lá ao WC e li esta quadra preciosa, decerto escrita por quem ali teria estado hospedado e mal servido de alimentação:
"Adeus ó Pensão Serras
amaldiçoada sejas tu
levo ferrugem nos dentes
teias d'aranha no nu";
108 - comecei a mentalizar-me que vinham aí "as sortes" e pelo que via, lá teria que ir combater;
109 - me apercebi, que se iria de vez, a lânguida vida que tinha;
110 - namorava à séria e até já frequentava a casa da piquena;
111 - o pai dela mostrou-me os bens que possuía;
112 - ou compreendi mal ou pareceu-me qu'ele disse até, que a barragem de Montargil lhe pertencia;
113 - só mais tarde descobri qu'afinal a coisa era da Hidro-Eléctrica, mas já não podia descasar-me;
114 - nas noites de sábado, para além do mais, ajudava-o a encher copos de vinho, lá na taberna sua pertença;
115 - e para desenvolver o negócio, já que também era interessado, quando apanhava algum cliente grosso por completo, afinfava-lhe metade do copo com vinho e a outra metade com água do poço;
116 - uma vez por mês, fazia-se um baile com acordeonista, ali mesmo no estabelecimento comercial;
117 - e eu aproveitava para a malandragem, mas só lá do lado contrário onde estavam os olhos inquisidores da mãe e da avó da menina;
118 - fui aprovado para vir a ser incorporado no Exército;
119 - e como uma desgraça nunca vem só!!!;
120 - casei.
121 - para que a carne dos perús ficasse mais tenra, se lhes afinfava gargomilo abaixo, um copo de aguardente;
122 - no meu casório, fui eu o encarregado desta espinhosa missão e podem crer que fiquei bem mais ternurento...
É que dividia a meias, pois então !!!;
123 - facto verdadeiro é que: já em pequeno e quando "acampámos" na casa da minha avó Rosita Veigas e eu adoecia, a mesinha era sempre o bagaço ora fervido antes para perder o álcool, ora bebido ao natural, mas sempre adicionando-se-lhe uma boa maquia d'açúcar amarelo;
124 - a mansão era b'óptima e à noite separavam-se os quartos, com lençóis. Num dormia eu com os meus pais, noutro o meu tio João da Rosita e no último a minha avó com a minha tia Maria Rosa. Luxos, enfim...;
125 - mas foi ali naquele beco, que aprendi a andar e a apanhar "alfaiates" de dia e morcegos à noite, cantando para estes últimos: "morcego, morcego... vem à cana que tem sebo";
126 - fui viver aos cinco anos, para o Pinhal (do Domingão) e aí sim gostei.
Lacraus por tudo o que era sítio: no café, na cama, nas paredes, dentro das botas, (recordo até com muitíssima saudade aquele som lindo, quando o meu pai ia pró trabalho, e as batia no chão).
127 - O "alacrau" como se dizia lá no sítio, é um bicharoco, que aprendi a apanhar à mão, quer dentro de casa, que ali no mato escavando também à unha;
128 - o prazer que era esmagá-los !!!;
129 - nem vos digo nem vos conto;
(continua)


Veríssimo Ferreira (2015)


Publicado por
Manuel Resende (Ferreira)



7 de dezembro de 2015

Post Nº 45 - Textos de Veríssimo (1)

Manuel Cármine Resende Ferreira
Alf. Mil. Art. em Jolmete (Pelundo – Teixeira Pinto)
CCAÇ 2585 – BCAÇ 2884














Caros camaradas e leitores:

Como já tinha prometido anteriormente, vou publicar um texto do nosso amigo Veríssimo Ferreira, que também passou por Jolmete (ver post Nº 27). São dois temas diferentes “eu sou do tempo em que” e “os melhores 40 meses da minha vida”, mas que se completam. Para não tornar o texto muito extenso (mas que se lê com muito agrado), dividi em vários capítulos.


Por: Veríssimo Luz Ferreira
Fur. Mil. da CCAÇ 1422 - Pelundo















EU SOU DO TEMPO EM QUE:

1 - (1947, 1948 e mais) a minha mãe enquanto lavava a roupa das patroas, ia apanhando e fritando uns peixes atrevidotes que por ali andavam à babugem do sabão;
2 - (1948 e 1949) bebia pelo caminho, metade do capilé qu'a minha avó me mandava comprar à taberna do Sr. Firme, para adoçar aquela coisa a que chamavam café e mais não era que grão e boletas torradas e moídas;
3 - (1949, 1950, 1951) com um tostão, comprava duas castanhas assadas... dois rebuçados ou um pirolito, na ti Maria, qu'as vendia ali à porta do clube dos ricos, na Ponte de Sôr;
4 - aprendi a pescar no rio, para sobreviver e poder ir ao cinema, qu'os barbos rendiam três escudos o quilo;
5 - limpava os pés ao sair de casa, porque assim não sujaria a rua com a lama;
6 - em que os colchões eram feitos com as folhas secas do milho e a cama com tábuas dos caixotes das sardinhas;
7 - (1949) era obrigado a ir à catequese;
8 - saltava os valados da horta alheia, para roubar a fruta da época;
9 - jogava à bola descalço;
10 - pisava com dor a geada quando ia pr’á escola;
11 - vivia num beco sem saída, no bairro conhecido por Puto Gatuno;
12 - tinha como amigos, o Manel Beatriz, O Xico Zé, O Tatunas, O Vultos;
13 - brincava ao Zorro, ao Águia Negra;
14 - era feliz;
15 - era livre.

Depois cresci.
16 - me doutorei com a 4ª classe aos nove anos (1951);
17 - aos dez aprendi a carregar com sacos de 75 quilos, às costas;
18 - ao fim do mês levava 20 escudos pra casa;
19 - ia acompanhar o meu pai, a pescar ao Domingo, no Poceirão porque a esposa do moleiro me dava um lauto almoço de feijão com couve e com pão de milho esfarelado e azeite por riba;
20 - recebi a comunicação a informar que o pedido do meu "velhinho" para que eu viesse a estudar de graça, não seria satisfeito porque se verificara , que tínhamos posses suficientes (como mais tarde soube, a informação fora dada pela entidade competente, só que o meu pai era servente de pedreiro e ganhava 17 escudos por dia e a minha mãe mulher a dias com 15 escudos, também por dia, mas só nos dias em que trabalhavam, o que acontecia duas ou três vezes por semana);
21 - porém poderia ser aceite no seminário e vir a ser padre;
22 - soube então, o que era o ódio;
23 - não mais pensei senão em vingança;
24 - cheguei aos 13 anos de idade, (1955);
25 - comecei a ganhar vícios;
26 - as barbas de milho primeiro, embrulhadas em papel zig-zag e mais tarde veio o mata-ratos, os provisórios e daí em diante foi sempre a melhorar até chegar aos 20-20-20 mais o Paris;
27 - o patrão achou por bem, que eu passasse para o escritório e pagava-me 250 escudos por mês;
28 - aprendi a utilizar a Remington com teclado nacional;
29 - adquiri uma telefonia onde me deliciava a ouvir os relatos do futebol e assim já nem precisava d'ir aos Bombeiros, onde por 50 centavos, também tomava semanalmente banho ao sábado, para ir bem cheiroso aos bailes na esplanada... às Barreiras ou à Torre das Vargens;
30 - usei os 1ºs sapatos para engraxar, qu'até ali e desde os 10, só usara botas com sola de pneu que levavam sebo, que o Sr. Salvador do talho, me dava;
31 - mudei para uma casa maior com água canalizada e electricidade onde tinha um quarto só pra mim e tendo comprado um chuveiro portátil... passei a tomar banho todos os dias após os 15 minutos da ginástica matinal;
32 - descobri a beleza feminina e "ela" não era só linda, com cintura de vespa e ancas largas, como também se vestia bem e aquela farda preta do colégio ficava até favorecida;
33 - descobri o que era amar, mas ela não ligava a gente pobre;
34 - achei que estava na altura de me cultivar, (1956);
35 - influenciado pelas orquestras de baile: Os Invencíveis de Ponte de Sôr, A Ideal mais a Ferrugem de Portalegre, Os Canários do Pego, Tulipa Negra de Abrantes, Figueira Padeiro e outras;
36 - aprendi o fá-lá-dó-mi e também o mi-sol-si-ré;
37 - toquei na Banda Filarmónica;
38 - estudei o curso liceal à noite, graças a preciosos e inesquecíveis Amigos;
39 - nos amores, fui cumprindo e em cada freguesia tinha namorada, mais para nos bailes não me faltar o par;
40 - aos Domingos pairava no largo da igreja, para ver sair da missa as "piquenas";
41 - à tarde, com os amigos da mesma idade, frequentava qualquer taberna e petiscávamos;
42 - o Brylcream existia e a popa à Elvis ficava-me bem, diziam-me elas; P.S. Ah!!! já se me olvidava...
43 - e as mães também;
44 - esmurrei a baquelite do rádio, só porque o Arsénio marcou dois golos seguidos;
45 - coloquei um verdadeiro bacalhau seco no anzol e saquei-o do rio, na Pedreira, quando o chato do guarda-rios sub-repticiamente chegou;
46 - catrapisquei a namorada dum amigo meu, mas arrependi-me;
47 - comecei a ir ver o Eléctrico ali atrás dos Cadeirões;
48 - conheci o grande guarda-redes Luis Serralheiro e o Maurício, mais o Manel Mirolha;
49 - o meu tio João da Rosita, defendia no Matuzarense;
50 - o treinador era o meu primo Augusto Veigas;
51 - quis também ser jogador da bola mas faltava-me o jeito;
52 - nos sábados à tarde, a maralha começou a banquetear-se na horta da mãe do Fernando Gravelho, ali a caminho da Fonte Esteves;
53 - comprei a 1ª bicicleta nova no Sr. Zé Alcaravela;
54 - aliciei com rebuçados o irmão da minha amada d'então, sim... aquela bera que não me ligava peva;
55 - fui detido pela GNR e inquirido pela PIDE;
56 - em boa verdade fui eu quem escreveu, a troco de três escudos e cinquenta por folha A4, toda a propaganda política (distribuída na P. Sôr) favorável ao Sr. General Humberto Delgado e não o neguei;
57 - Ilibado fui por pressão do Sr. Presidente da Câmara;
58 - tinha então 16 anos e sonhava ainda;
59 - do cagaço, não me livrei;
(continua)



Por:
Veríssimo Ferreira (2015)


Publicado por
Manuel Resende (Ferreira)