9 de dezembro de 2015

Post Nº 46 - Textos de Veríssimo (2)

Veríssimo Luz Ferreira
Fur. Mil. da CCAÇ 1422 - Pelundo














EU SOU DO TEMPO EM QUE:


(continuação)
60 - nasceu o Conde da Pedreira;
61 - a conselho do Sr. Lino, tal título dar-me-ia acesso a ter os calendários lindos da TAP;
62 - utilizei o esquema com outros e resultou;
63 - me voltei a apaixonar;
64 - a esta beldade escrevi uma carta que copiei num livro emprestado pela Gulbenkian, que de terra em terra, mandava uma carrinha biblioteca mensalmente;
65 - esperei resposta, mas nunca chegou;
66 - azar nos amores...sorte no jogo;
67 - saíram-me seis contos de réis na lotaria;
68 - comprei um ciclomotor Alpino;
69 - bati na parede da loja do Sr. Ramiro, atravessei arrojando a Rua Vaz Monteiro e fui cair dentro da farmácia Cruz Bucho;
70 - fiquei tonto e ainda não me curei;
71 - passei oito dias no hospital;

72 - chegou 1959 e eu ia fazer pois, os 17 anos;
73 - já tinha ouvido falar que havia uma coisa para comer a quem chamavam bife com ovo a cavalo;
74 - provei, gostei... aquilo era mesmo bestial;
75 - aprendi a dizer NÃO, mas foi difícil;
76 - o patrão decidiu aumentar-me para os trezentos mil réis mensais;
77 - no Liceu de Portalegre, completei a secção de letras do 5º ano liceal;
78 - mas chumbei na secção de Ciências, mais por culpa própria (ou talvez por culpa dos professores, que só me perguntavam o que eu não sabia) pois que nas noites antes das orais, andava eu a exibir-me nos bailes do Bonfim e daí partia directamente para os exames;
79 - vesti um fato completo, feito por medida e até me senti alguém;
80 - fui a Lisboa e sem companhia, tendo-me o meu pai explicado que no Martim Moniz devia apanhar o eléctrico para o Terreiro do Paço;
81 - tive azar que só passavam para a Praça do Comércio;
82 - vá lá, vá lá, que não apareceu ninguém a querer vender-me a estátua;
83 - precisei duma certidão de nascimento e vi que tinha nascido a 29 de Fevereiro dum ano que não era bissexto;
84 - fiz 18 anos... o meu pai emancipou-me para poder entrar na função pública;
85 - mil e cem escudos foi quanto passei a ganhar, o que quer dizer, que deixei de ser pobre;
86 - do pichelim passei para o bacalhau da Noruega;
87 - comecei a acompanhar o trio de arbitragem da 1ª divisão, (Srs. Courinha, Eduardo Figueira e João (?) );
88 - fiz exame e também comecei a apitar;
89 - não era isento... e as equipas que jogavam de vermelho penalizava-as inconscientemente;
(Daí, que mais tarde... exonerei-me, não sem que antes tenha levado com um pedaço de madeira na tola, durante um jogo no Estádio da Fontedeira em Portalegre e ainda cá está a marca);
90 - no colégio, como interna, havia uma garota que não me discriminava e a quem comecei a corresponder os olhares;
91 - tinha duas horas para almoçar e parte desse tempo comecei a passá-lo frente ao dito colégio para onde me deslocava em viatura própria, mais concretamente numa moderna bicicleta a pedais, qu'até mudança de velocidades tinha, pois então;
92 - eis senão quando... sou intimado pela autoridade GNR, (e a pedido da Directora) que estava proibido de andar lá na estrada em frente, pois que desestabilizava as piquenas;
93 - e eu?
94 - ri revolucionariamente... ri muito... e mais kms fiz porque passei a andar por lá, quer fosse manhã, tarde ou noite;
95 - também os professores, que me iam dando uns lamirés receberam instruções para o não fazerem só que não aceitaram tal, honra lhes seja feita;
96 - a pobre moça, recebeu ordem de expulsão e teve d'arranjar casa particular, que interna não podia estar mais;
97 - o diabo invejou-me quando me propus combater esta situação pidesca;
98 - eu era mau (e continuo);
99 - era muita mau mesmo.
100 - e porque continuava a estudar e era obrigado a pertencer à Mocidade Portuguesa e pagar os consequentes 30 escudos anuais;
101 - fui empossado da parte administrativa da coisa e escrever as respostas às questões doutros pertencentes à mesma MP;
102 - certo dia, recebi um "ofício" e onde se pretendia combinar uns joguitos de futebol ali com a rapaziada da Ponte de Sôr, e terminava;
103 – “A Bem da Nação” O Barbeiro de Benavila;
104 - morava ali perto dos Bombeiros e também aí colaborei como ajudante nas aulas de ginástica;
105 - certo dia, oiço o instrutor (que estava ali mais longe, e com a ilusão de óptica, disse, após ter mandado levantar a perna aos instruendos): "Quem é o bruto que está com as duas pernas no ar?;
106 - existia a Pensão Serras e onde eu bebia o cafézinho mais o bagação de medronho Sanchez;
107 - fui lá ao WC e li esta quadra preciosa, decerto escrita por quem ali teria estado hospedado e mal servido de alimentação:
"Adeus ó Pensão Serras
amaldiçoada sejas tu
levo ferrugem nos dentes
teias d'aranha no nu";
108 - comecei a mentalizar-me que vinham aí "as sortes" e pelo que via, lá teria que ir combater;
109 - me apercebi, que se iria de vez, a lânguida vida que tinha;
110 - namorava à séria e até já frequentava a casa da piquena;
111 - o pai dela mostrou-me os bens que possuía;
112 - ou compreendi mal ou pareceu-me qu'ele disse até, que a barragem de Montargil lhe pertencia;
113 - só mais tarde descobri qu'afinal a coisa era da Hidro-Eléctrica, mas já não podia descasar-me;
114 - nas noites de sábado, para além do mais, ajudava-o a encher copos de vinho, lá na taberna sua pertença;
115 - e para desenvolver o negócio, já que também era interessado, quando apanhava algum cliente grosso por completo, afinfava-lhe metade do copo com vinho e a outra metade com água do poço;
116 - uma vez por mês, fazia-se um baile com acordeonista, ali mesmo no estabelecimento comercial;
117 - e eu aproveitava para a malandragem, mas só lá do lado contrário onde estavam os olhos inquisidores da mãe e da avó da menina;
118 - fui aprovado para vir a ser incorporado no Exército;
119 - e como uma desgraça nunca vem só!!!;
120 - casei.
121 - para que a carne dos perús ficasse mais tenra, se lhes afinfava gargomilo abaixo, um copo de aguardente;
122 - no meu casório, fui eu o encarregado desta espinhosa missão e podem crer que fiquei bem mais ternurento...
É que dividia a meias, pois então !!!;
123 - facto verdadeiro é que: já em pequeno e quando "acampámos" na casa da minha avó Rosita Veigas e eu adoecia, a mesinha era sempre o bagaço ora fervido antes para perder o álcool, ora bebido ao natural, mas sempre adicionando-se-lhe uma boa maquia d'açúcar amarelo;
124 - a mansão era b'óptima e à noite separavam-se os quartos, com lençóis. Num dormia eu com os meus pais, noutro o meu tio João da Rosita e no último a minha avó com a minha tia Maria Rosa. Luxos, enfim...;
125 - mas foi ali naquele beco, que aprendi a andar e a apanhar "alfaiates" de dia e morcegos à noite, cantando para estes últimos: "morcego, morcego... vem à cana que tem sebo";
126 - fui viver aos cinco anos, para o Pinhal (do Domingão) e aí sim gostei.
Lacraus por tudo o que era sítio: no café, na cama, nas paredes, dentro das botas, (recordo até com muitíssima saudade aquele som lindo, quando o meu pai ia pró trabalho, e as batia no chão).
127 - O "alacrau" como se dizia lá no sítio, é um bicharoco, que aprendi a apanhar à mão, quer dentro de casa, que ali no mato escavando também à unha;
128 - o prazer que era esmagá-los !!!;
129 - nem vos digo nem vos conto;
(continua)


Veríssimo Ferreira (2015)


Publicado por
Manuel Resende (Ferreira)



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