18 de dezembro de 2015

Post Nº 53 - Textos de Veríssimo (5)

Veríssimo Luz Ferreira
Fur. Mil. da CCAÇ 1422 - Pelundo





OS MELHORES 40 MESES DA MINHA VIDA

(Continuação)
E VAI DAÍ:
A 4 de Julho de 1964, após portanto, 5 meses e 10 dias a frequentar o 1º ciclo do Curso com aproveitamento e todos os créditos alcançados, consideraram-me então, apto para o 2º, ou seja, "tirar" a especialidade de "atirador" e como ordens não se discutem, aí vais EU, para Tavira. Terra linda que continuo a visitar. Linda praia, onde até a água era e é, quente, comparada com a da Ericeira, de que tinha provado o sal. Boas gentes, embora e nesse período, as tenha considerado más com'ás cobras, tendo em conta que quando os pobres militares, sedentos e até com alguma fomita, colhíamos algumas, amêndoas, alfarrobas ou figos, ou ainda, lhes bebíamos umas gotas nos escassos poços existentes...iam de imediato participar ao quartel e algumas vezes desembolsámos os 25 tostões para compensar o prejuízo.

A miséria patrimonial, deste povo algarvio, era notória e justificava a queixa. O turismo mal começara e aquelas frutas e água, eram o seu ouro. No que se refere à instrução militar, foi o acrescento próprio, para quem já estava treinado. Novidade apenas para o "DEITÁÁÁÁR" nas salinas. Lindo de se ver, creiam. E nós... vestidinhos... lavadinhos e engomados... calçadinhos... botas engraxadas e reluzentes, espelhando o sol quente desse mês de Julho... obedecíamos está claro. Saíamos enlameados, cheios de lodo até aos cabelos, mas mais fortes alguns, aqueles que engoliam alguma distraída enguia. À tardinha dispensavam-nos e podíamos então confraternizar com as tascas locais, onde sempre comíamos generosas doses de grandes conquilhas, ou jaquinzinhos atados pelo rabo e em grupos de 5 ou 6, regados com aquele saboroso tintol carrascão de tal forma, que até os dentes ficavam coloridos. Alguns mais afortunados, proporcionavam a outros, passeios e assim conheci, Quarteira, Armação de Pera, Albufeira e Faro.

A cenas incríveis mas divertidas, assisti...de difícil entendimento prá época, mas que me ajudaram nas formações, cívica, intelectual e moral, três elementos importantes para uma sã convivência entre pessoas mas que entretanto perdi em qualquer lado. Reparem nesta: Um jovem, ainda quase acabado de nascer, havia casado e "exibia" vaidosa e orgulhosamente a sua bem bonita e formosa esposa, que para além disso, era também alegre e bem formada moralmente, (ao que soube mais tarde). Nós mirones e o casal fazia questão de procurar sentar-se em locais onde nos concentrávamos, olhávamos gulosamente, aqueles belos joelhos dela (única parte anatómica, possível de ver nas damas e que hoje nem reparamos se têm, dada a forma como se despem até à cintura).

Mas, caras meninas, continuem seduzindo e poderão fazê-lo se seguirem o douto conselho da avó duma das minhas mais que muitas apaixonadas e que um dia me disse: "Até ao joelho, é para quem quiser ver, daí para cima, é para quem merecer". Mas a cena risível aconteceu assim: Uma noite e vendo o casal que estávamos completamente d'olhos em bico, fitos exclusivamente naquele bocado onde está a rótula, levantou-se o rapaz, olhou-nos corajosamente e sem tergiversações gritou: É BOA...MAS É MINHA.

E em 30 de Agosto de 1964, fui promovido a 1º Cabo-Miliciano, pois então... Começa aí um percurso agitado, com constantes mudanças, assim estilo "faça férias cá dentro" e foi o que me valeu para ficar bem a conhecer, algum deste País, que eu julgava ser só o Alto-Alentejo. 1º Amadora (Regimento de Infantaria 1); 2º Lamego ( Rangers); 3º Tancos (Minas e Armadilhas);  4º Lisboa (Grupo C. Trem Auto);  5º Abrantes (Regimento Infantaria 2); 6º Tomar (Regimento Infantaria 15); 7º Guiné.

À Amadora cheguei... nem a almoço tive direito... e mandam-me avançar, de forma a estar e sem falta, no dia seguinte em Lamego. Já algo desenrascado, apanho comboios, mais comboios e certo é que às 8,30, entro no novo poiso e qual não é a minha sorte que dei de caras, logo à porta de armas, com um herói da minha terra, combatente já com uma comissão prestada em Angola, monitor agora, das tropas a preparar.

Trocámos abraços, continências e amigáveis palavras. A caserna era óptima e fiquei em lugar privilegiado de cama. Fora dos últimos a chegar e não houve hipótese de arrebanhar melhor. Havia só que subir três beliches, até chegar ao 4º onde dormia e com uma vista fantástica para os barrotes em madeira, que até me davam para estender a roupa molhada e esta, por sua vez, passava as gélidas noites, a afagar-me a calejada epiderme, durante os raros momentos que ali estacionei, pois que os treinos eram constantes, a qualquer momento e prolongados, estafantes. Foram tempos duros, mas foram também, uma óptima preparação para as dificuldades que vieram depois. Ficou-me gravada, a frase "Nunca se sabe", resposta que sempre ouvíamos a qualquer pergunta que fizéssemos.

Tancos, desejava-me ardentemente e as Minas e Armadilhas que as amasse... e a Barquinha ali tão perto e com tão boa comida e melhor buída... Passou-se e eis senão quando, me vejo a caminho de Lisboa, Av de Berna, Grupo de Companhias Trem Auto, o que me confundiu do porquê. E não só a mim, também o Senhor Sargento da Secretaria se espantou e exclamou: Ora porra, pedi um Cabo-Miliciano condutor e mandam-me um atirador? Mas... (e há sempre porreiro mas)... continuou ele: Aguente aí ó patrício, você é da Ponte Sôr... eu sou de Alter... temos de resolver isto. E após perguntar-me se conheço a capital e eu respondido "negativo", decidiu que eu devia ficar por ali, até que fosse rectificado o lapso, o que deveria demorar um mês. Sem função atribuída, saía, à civil, de manhã e voltava para dormir, num quarto com mais sete militares e cinco ratazanas, das maiores que já vi. Turismei.

Vi cinema nos: Piolho... Condes... Éden... S Jorge...; Conheci, a desoras, as boas zonas... Intendente... Cais Sodré... Bairro Alto... Alfama... Mouraria... Madragoa...; Vi campos de futebol, com relva imagine-se... o aeroporto... Cabo Ruivo e os hidroaviões... comboios em Santa Apolónia e Rossio... Fui a Cacilhas... ao Jardim Zoológico... Parque Mayer... Parque Eduardo VII... Feira Popular...; Comi bifes na Solmar... Portugália... Império... Ribamar... sopa de marisco na Rua de S.José... iscas na Travessa do Cotovelo... bacalhau com grão no João do Dito...;  Bebi na Ginginha e no Pirata e uns tintos no Quebra Bilhas... Até que um dia me transmitem: Vais para Abrantes.
Bati o pé e disse: NÃO VOU... E FUI.

Em Abrantes, estava mais perto de casa, o que me agradou. Lá se foi passando o tempo e coube-me ajudar o Oficial instrutor, ensinando novos militares. Porque alguns de nós, os recentes cabo-milicianos, estávamos já a ser mobilizados, fui-me preparando. Contudo, tal mobilização só veio a acontecer, quando já houvera prestado 20 meses de tropa. Entretanto em Abril de 1965 e "por equivalência a seis meses consecutivos em Unidade Operacional, condição a que satisfaz para promoção ao posto imediato (sic) ",  fui promovido a Furriel-Miliciano. Estava então em Tomar a preparar outros jovens, que afinal acabaram por ser os que fazendo parte da Companhia de Caçadores 1422, embarcaram comigo para a Guiné, em 18 de Agosto.

Quando digo "embarcaram comigo", em vez de "embarquei com eles", deixem que explique: Quer o Comandante, quer os restantes Oficiais e Sargentos, haviam partido uma semana antes, de avião, ficando apenas connosco, um senhor Sargento-ajudante, pessoa com alguma idade e peso e que era chefe de secretaria. A ele pertenceria comandar-nos antes do embarque, no desfile perante as autoridades... perante os nossos familiares presentes. No último momento, nomeia-me para o fazer. Tamanha responsabilidade, fez-me tremelicar, mas ordens não se discutem. COMANDEI.
(continua)



Veríssimo Ferreira (2015)




Publicado por
Manuel Resende (Ferreira)



1 comentário:

Omis Syrev Ferreira disse...

Este gajo escreve muita bem.Parabéns pela ideia Sr.Manuel Resende.