27 de dezembro de 2015

Post Nº 56 - Textos de Veríssimo (7)

Veríssimo Luz Ferreira
Furr. Mil. da CCAÇ 1422 - Pelundo














OS MELHORES 40 MESES DA MINHA VIDA

(continuação)
E VAI DAÍ:
(passagem por Jolmete)

Até que certo dia m'aparece o meu Cmdt de Companhia (Sr. Capitão Dinis Côrte-Real)... mais o Alferes Simões, o 2º Sargento do quadro Nuno e dois Fur's-Mil, Gualter e Higino e é-me dada a ordem: Vem daí connosco que também foste convidado para os festejos em Jolmete. Fui... nem discuti, mas sem saber da importância de tal decisão. É que graças a mim foi repudiado o 1º ataque ao aquartelamento (ao que julgo saber). Chegámos... o cheiro a comes era mais qu'a muito e noite quase a chegar. E quando nos dispunha-mos a papar: Começou a fogaracha inimiga e lá se foi o objectivo em causa ou sejam: as fracas assadinhas na brasa, temperadas que foram com jindungo... Os borreguitos... Os porquinhos... 

Recapitulemos: "Pela 1ª vez, o quartel é atacado..." 
Organizei-me, procurei a arma adequada para responder a tal situação e lá descobri o meu caro morteiro 60 e um cunhete com 6 poderosas granadas. Fiz o reconhecimento da zona para onde as enviaria acompanhadas que seriam com os meus cumprimentos, raiva e votos de festas felizes e aí vão elas, uma de cada vez claro. Não deviam ter conhecimento da letalidade da coisa... acabaram com a flagelação... e ouviram-se gritos de foge... foge. Em boa verdade, até eu fiquei deslumbrado com tanta luz. É que as granadas atrás citadas, em vez de explosivas, saíram iluminantes, mas que os fez tremer e "cavar", lá isso fez. Ainda hoje não devem ter percebido, porque foi que a negra noite, se transformou num ápice, em luminoso dia.

Tínhamos um ligeiro ferido nas nossa hostes, que apanhara de raspão, com uma bala no... na anca, o que lhe causava algumas dores. Não havendo enfermeiro, fiz disso, e após informação conseguida pelo ANGRC9 administrei-lhe uma injecção de morfina. Daí que cinco minutos depois, o Fur. Mil. Indy (assim se chamava) quis iniciar uma perseguição na mata, para se vingar; o guarda-costas do Capitão Corte-Real, "guardava-o" pondo-lhe à frente uma mesa de madeira porque nada mais por ali havia para o fazer. Eu? Assei uns "xóriços", bebi uns tintos em copo de alumínio e por aí me fiquei qu'o Vat 69 fora atingido e vertera no chão vermelho. 
Saímos dali logo que amanheceu, picámos a estrada, levei as minhas tralhas do Pelundo, reagrupámo-nos e lá partimos finalmente, para tomar posse do K3, que já estava quase concluído se é que podemos dizer "concluído", ao facto de os abrigos, estarem prontos pelos quatro cantos e onde coube a minha CCAÇ 1422, "oficiais e tudo".

Coluna organizada e à frente, a Daimler (piolho lhe chamavam), uma auto-metralhadora semi-blindada, que foi disparando para a mata, durante a viagem e mais propriamente junto aos locais onde já antes houveram existido emboscadas ou flagelações. Tinha no exterior um morteiro 60 e um banco acoplados pela rapaziada engenhosa das "mecânicas auto" e logicamente que era ali necessária, quando em viagem, a permanência dum elemento que soubesse trabalhar com o referido morteiro. Encomendaram-me a missão e já que ali teria de ir, sentado em poltrona d'aço verde, pelo menos seria o pioneiro de duas coisas: 1ª - ou a enfrentar o inimigo e levar um balázio nas trombas; 2ª - ou no destino, receber as honras de primeiro a chegar.

Subi para o poiso. Passados que foram dois ou três Kms, começou-se-me a vir à memória a minha santa terrinha e o Conjunto musical "Sôr-Ritmo", pois então. (Tinham lá um vocalista fora de série, um tal de Veríssimo Ferreira, que encantava e deliciava as jovens d'então e também as suas próprias respectivas mães. E vai daí... atento venerador e obrigado a ir ali exposto e sem defesa possível, e talvez até devido ao Vallium 69, qu'antes emborcara, começou a trautear, uma coladera que aprendera a dançar há dias, no Pelundo, só que às tantas, entusiasmou-se, e lá foi em alta voz a "Nha Bolanha". Avisado foi ao que soube mais tarde, para se calar, mas com aquela barulheira de tantas viaturas, nada ouviu e continuou).

Chegámos sem problemas, caso único e nunca mais repetido, mas ficou-me sempre a mágoa do não saber porquê de não nos honrarem com qualquer ataque, ou ao menos ter sido accionada uma mina nem que pessoal fosse. E fui observar o hotel. O abrigo que me fora destinada estava nos conformes. Descíamos quatro degraus, depois mais cinco para a esquerda e ali estava a suite. Embora na época das chuvas, o chão ladrilhado de terra encarniçada, tinha já dez ou mais centímetros d'água, o que era porreiro mesmo e propício à propagação da matacanha, bichinho comichoso , como sabem. Os locais para dormir eram dez, dispostos em cinco grupos de beliches. Fizeram-se as escolhas e a mim tocou-me o último em cima, mas com visibilidade para a seteira do abrigo o que era óptimo pois que assim até poderia reagir, deitado. Ali mesmo ao lado, em baixo, ficavam as valas que nos levavam de gatas, ao local donde dispararíamos as armas pesadas, se atacados. Visitei o bar... ai nanas... jantei duas sandes de pão com pão, levei mais dez e também sagres de seis dcl para os meus. Enquanto petiscávamos chegaram as boas-vindas inimigas e tal como chegaram partiram, após, claro, termos correspondido.

Iniciámos então a pacificação da zona emboscando; patrulhando; escoltando; vigiando; descansando. Pela matina o "barman" preparava um “petit dejeuner” daqueles de se lhe tirar o bivaque e que consistia em bocadinhos de pão, ainda não em pedra mas quase, a que juntava ovos inteiros, sem casca, claro, mais umas sagres pretas e açúcar. Tudo misturado era um acepipe que deslizava suave e gulosamente pelos nossos sequiosos gorgomilos. Até ao almoço, ficávamos "porreiros mesmo pá". Este (o almoço) era óptimo e variado quanto baste: às 2ªs, 4ªs e 6ªs: dobrada liofilizada com feijão branco; às 3ªs, 5ªs, Sab e Dom: feijão branco com dobrada liofilizada. De quando em vez, porém, comíamos uns bifitos de vaca tuberculosa, que comprávamos, sem falar com os donos, por ali nos matos próximos, mas raramente, pois que o perigo também lá morava. A maior carência tinha que ver com o ingerir "frescos", nome que davam aos produtos hortícolas. Raramente chegavam lá ao fim da linha, já que antes passavam por vários "esfomeados", distribuídos desde Bissau, até nós.

Compensávamos tal falta, em Farim e aquando do aprovisionamento diário da água para uso da Companhia, abastecendo-nos então com os necessários colesteróis substitutos com vantagens das vitaminas e proteínas. Por fim e com a barriguita quase aconchegada e já do lado de lá do rio, atirávamos (DE PÉ) uma granada (DE MÃO), a fim de afugentar algum empecilhoso crocodilo dundee, que por ali andasse e tomávamos uma banhoca, coisa recomendável e saudável, dado o volume da comida... bebida. A tarde era destinada a algum descanso para que à noite pudéssemos aparecer, aos habituais encontros, com alguma compostura e pontaria afinadas, não sem que antes se houvessem limpo as maquinetas G3 e até nisso tive azar que a minha tinha mais um bocadinho para polir, pois era de bipé.

Mas nem tudo foi menos feliz e "tocaram-me" as lotarias várias vezes, como naquela em que, indo nós (a minha secção) a fazer um patrulhamento pelo circuito pedonal e até aos "carreiros" ( a 3 Km do quartel, estrada para Mansabá) local onde os mariolas costumavam "semear" minas, porque sabiam quando por ali iriam passar os reabastecimentos. Pois aconteceu, que fomos emboscados, apesar de que e como era costume, a progressão estivesse a ser feita bem e como mandam as regras. De lá, vieram uns tiritos para cá... e de cá também nada meigos fomos. É que não gostávamos mesmo... mesmo... que nos interrompessem enquanto trabalhávamos. Organizá-mo-nos depois em triângulo isósceles... avançámos selva dentro, e estávamos-lhes com uma sede !!!. Ficaram cientes que contra nós dez, a coisa chiava mais fino. 

A certa altura porém, caíram-me umas folhas de embondeiro na cabeça (um tronco passou ao lado), desmanchando-me o penteado à James Dean, com risco do lado direito e tudo. Irritei-me, tá visto, porque não gosto que me atirem coisas à cachimónia e olhei para cima. Entretanto mandei parar a festa, mas do outro lado, não me ouviram decerto e as folhas continuaram a cair. Estes gajos são recrutas, não respondam, disse. Rastejando, mato adentro lá debandaram gemendo. A minha teoria confirmou-se, pois que a cara dos "filhos duma mulher menos séria" estava desenhada no solo e enquanto isso fogueteavam para o ar, dando assim início à destruição da floresta, poiso de tanto macacóide e de alguns jagudis, ali a viver.

Operação terminada, correra bem, continuámos... Às tantas segredam-me: ali à frente, devem estar à nossa espera, vi passar uns gajos e são mais de vinte... Estudada a nova situação, pensámos como resolver o conflito iminente... avançámos com redobrados cuidados e no sentido de os envolvermos numa teia donde não saíssem. Após quase uma hora para percorrer 300 metros, portanto tal aproximação estava a ser enquadrada como nas mais vitoriosas tácticas militares, antes usadas, eis senão quando, estabeleço finalmente contacto visual e SIM eram realmente mais de vinte. Para combatentes experimentados conhecedores do terreno, a coisa estava destinada a ser "canja", e dali não sairiam impunes. Último olhar que a neblina dissipava-se e vi que: ESTAVAM DESARMADOS. E porra... ERAM GORILAS. Daqueles bem grandes. Também me viram... continuaram a comer... E nós? Retirámos tristes pelo falhanço do que esperávamos ter sido "manga de chocolate", mas com o sentimento do dever cumprido.

Naquele dia e a emboscar mais uma vez no local "carreiros", ouviu-se um zurrar. Aqui nesta zona do K3, nunca tal houvera visto, embora conhecesse, um ou outro, mas de duas patas. Acomodá-mo-nos melhor, uns atrás das baga-bagas, outros atrás das vetustas árvores, outros ainda deitados na camuflagem natural da selva. O dedo permanecia no pinchavelho, ou seja, naquela coisa que na G3 faz accionar a saída pelo cano, duma pecita que ao encontrar algo, derruba que se farta. Pedi que ao verem o asno, o deixassem para mim, experimentado que era em engatá-los na nora do meu sogro que também era o proprietário duma mula bem vistosa. 

Passado pouco tempo, lá chegaram aqueles por quem amigavelmente esperáramos para uma aterradora surpresazinha e para lhes cantar também os parabéns. Vinham descontraídos... conversando... alegres e bem dispostos... não antevendo, ingénuos, que também sabíamos preparar recepções. A tiracolo traziam, a meu ver e depois confirmei, armas proibidas e para as quais não tinham a necessária e indispensável licença para uso e porte. No final da fila em pirilau, que o caminho era estreito, lá vinha o jumento, que tanta alegria me viria a dar mais tarde.

Tadinho... vinha carregado que "nem um burro", trazendo num dos lados do lombo... espingardões e do outro lado um canhão sem recuo. Tudo, sem sela nem canga. Imaginei o sofrimento do pobre e pensei: quais selvagens, tratam assim as bestas ??? Hora da festa... faça-se a festa... e fez-se. Manga de ronco... mesmo... e só tarde se aperceberam do que lhes estava a acontecer. Regressámos depois a penates e de livre vontade, acompanhou-nos com arreata o prisioneiro que ia entrementes fazendo uma alarvice de zurraria do caraças... Interrogado foi mas nada confessou.
(continua)




Veríssimo Ferreira (2015)




Pulicado por
Manuel Resende (Ferreira)



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