7 de dezembro de 2015

Post Nº 45 - Textos de Veríssimo (1)

Manuel Cármine Resende Ferreira
Alf. Mil. Art. em Jolmete (Pelundo – Teixeira Pinto)
CCAÇ 2585 – BCAÇ 2884














Caros camaradas e leitores:

Como já tinha prometido anteriormente, vou publicar um texto do nosso amigo Veríssimo Ferreira, que também passou por Jolmete (ver post Nº 27). São dois temas diferentes “eu sou do tempo em que” e “os melhores 40 meses da minha vida”, mas que se completam. Para não tornar o texto muito extenso (mas que se lê com muito agrado), dividi em vários capítulos.


Por: Veríssimo Luz Ferreira
Fur. Mil. da CCAÇ 1422 - Pelundo















EU SOU DO TEMPO EM QUE:

1 - (1947, 1948 e mais) a minha mãe enquanto lavava a roupa das patroas, ia apanhando e fritando uns peixes atrevidotes que por ali andavam à babugem do sabão;
2 - (1948 e 1949) bebia pelo caminho, metade do capilé qu'a minha avó me mandava comprar à taberna do Sr. Firme, para adoçar aquela coisa a que chamavam café e mais não era que grão e boletas torradas e moídas;
3 - (1949, 1950, 1951) com um tostão, comprava duas castanhas assadas... dois rebuçados ou um pirolito, na ti Maria, qu'as vendia ali à porta do clube dos ricos, na Ponte de Sôr;
4 - aprendi a pescar no rio, para sobreviver e poder ir ao cinema, qu'os barbos rendiam três escudos o quilo;
5 - limpava os pés ao sair de casa, porque assim não sujaria a rua com a lama;
6 - em que os colchões eram feitos com as folhas secas do milho e a cama com tábuas dos caixotes das sardinhas;
7 - (1949) era obrigado a ir à catequese;
8 - saltava os valados da horta alheia, para roubar a fruta da época;
9 - jogava à bola descalço;
10 - pisava com dor a geada quando ia pr’á escola;
11 - vivia num beco sem saída, no bairro conhecido por Puto Gatuno;
12 - tinha como amigos, o Manel Beatriz, O Xico Zé, O Tatunas, O Vultos;
13 - brincava ao Zorro, ao Águia Negra;
14 - era feliz;
15 - era livre.

Depois cresci.
16 - me doutorei com a 4ª classe aos nove anos (1951);
17 - aos dez aprendi a carregar com sacos de 75 quilos, às costas;
18 - ao fim do mês levava 20 escudos pra casa;
19 - ia acompanhar o meu pai, a pescar ao Domingo, no Poceirão porque a esposa do moleiro me dava um lauto almoço de feijão com couve e com pão de milho esfarelado e azeite por riba;
20 - recebi a comunicação a informar que o pedido do meu "velhinho" para que eu viesse a estudar de graça, não seria satisfeito porque se verificara , que tínhamos posses suficientes (como mais tarde soube, a informação fora dada pela entidade competente, só que o meu pai era servente de pedreiro e ganhava 17 escudos por dia e a minha mãe mulher a dias com 15 escudos, também por dia, mas só nos dias em que trabalhavam, o que acontecia duas ou três vezes por semana);
21 - porém poderia ser aceite no seminário e vir a ser padre;
22 - soube então, o que era o ódio;
23 - não mais pensei senão em vingança;
24 - cheguei aos 13 anos de idade, (1955);
25 - comecei a ganhar vícios;
26 - as barbas de milho primeiro, embrulhadas em papel zig-zag e mais tarde veio o mata-ratos, os provisórios e daí em diante foi sempre a melhorar até chegar aos 20-20-20 mais o Paris;
27 - o patrão achou por bem, que eu passasse para o escritório e pagava-me 250 escudos por mês;
28 - aprendi a utilizar a Remington com teclado nacional;
29 - adquiri uma telefonia onde me deliciava a ouvir os relatos do futebol e assim já nem precisava d'ir aos Bombeiros, onde por 50 centavos, também tomava semanalmente banho ao sábado, para ir bem cheiroso aos bailes na esplanada... às Barreiras ou à Torre das Vargens;
30 - usei os 1ºs sapatos para engraxar, qu'até ali e desde os 10, só usara botas com sola de pneu que levavam sebo, que o Sr. Salvador do talho, me dava;
31 - mudei para uma casa maior com água canalizada e electricidade onde tinha um quarto só pra mim e tendo comprado um chuveiro portátil... passei a tomar banho todos os dias após os 15 minutos da ginástica matinal;
32 - descobri a beleza feminina e "ela" não era só linda, com cintura de vespa e ancas largas, como também se vestia bem e aquela farda preta do colégio ficava até favorecida;
33 - descobri o que era amar, mas ela não ligava a gente pobre;
34 - achei que estava na altura de me cultivar, (1956);
35 - influenciado pelas orquestras de baile: Os Invencíveis de Ponte de Sôr, A Ideal mais a Ferrugem de Portalegre, Os Canários do Pego, Tulipa Negra de Abrantes, Figueira Padeiro e outras;
36 - aprendi o fá-lá-dó-mi e também o mi-sol-si-ré;
37 - toquei na Banda Filarmónica;
38 - estudei o curso liceal à noite, graças a preciosos e inesquecíveis Amigos;
39 - nos amores, fui cumprindo e em cada freguesia tinha namorada, mais para nos bailes não me faltar o par;
40 - aos Domingos pairava no largo da igreja, para ver sair da missa as "piquenas";
41 - à tarde, com os amigos da mesma idade, frequentava qualquer taberna e petiscávamos;
42 - o Brylcream existia e a popa à Elvis ficava-me bem, diziam-me elas; P.S. Ah!!! já se me olvidava...
43 - e as mães também;
44 - esmurrei a baquelite do rádio, só porque o Arsénio marcou dois golos seguidos;
45 - coloquei um verdadeiro bacalhau seco no anzol e saquei-o do rio, na Pedreira, quando o chato do guarda-rios sub-repticiamente chegou;
46 - catrapisquei a namorada dum amigo meu, mas arrependi-me;
47 - comecei a ir ver o Eléctrico ali atrás dos Cadeirões;
48 - conheci o grande guarda-redes Luis Serralheiro e o Maurício, mais o Manel Mirolha;
49 - o meu tio João da Rosita, defendia no Matuzarense;
50 - o treinador era o meu primo Augusto Veigas;
51 - quis também ser jogador da bola mas faltava-me o jeito;
52 - nos sábados à tarde, a maralha começou a banquetear-se na horta da mãe do Fernando Gravelho, ali a caminho da Fonte Esteves;
53 - comprei a 1ª bicicleta nova no Sr. Zé Alcaravela;
54 - aliciei com rebuçados o irmão da minha amada d'então, sim... aquela bera que não me ligava peva;
55 - fui detido pela GNR e inquirido pela PIDE;
56 - em boa verdade fui eu quem escreveu, a troco de três escudos e cinquenta por folha A4, toda a propaganda política (distribuída na P. Sôr) favorável ao Sr. General Humberto Delgado e não o neguei;
57 - Ilibado fui por pressão do Sr. Presidente da Câmara;
58 - tinha então 16 anos e sonhava ainda;
59 - do cagaço, não me livrei;
(continua)



Por:
Veríssimo Ferreira (2015)


Publicado por
Manuel Resende (Ferreira)





2 comentários:

Omis Syrev Ferreira disse...

OBRIGADO AMIGO Manuel Resende, por divulgares tão magnífica escrita deste tão bom escrevinhador. Um abraço.

Unknown disse...

Excelente trabalho. Sobre um magnifico conteúdo. Parabens aos dois!