17 de dezembro de 2015

Post Nº 52 - A Minha Guerra (Augusto S Santos)

Augusto Silva Santos
Fur. Mil. da CCAÇ 3306 em Jolmete (Pelundo - Teixeira Pinto)




A Minha Guerra (Correio da Manhã)

Em 25 de Setembro de 2010 publiquei no Correio da Manhã, na rubrica “A MINHA GUERRA”, a estória da minha passagem pela Guiné, mais concretamente, por Jolmete e Bissau. Junto cópias do texto então publicado.






  
Augusto Silva Santos


Publicado por
Manuel Resende (Ferreira)

14 de dezembro de 2015

Post Nº 51 - Textos de Veríssimo (4)

Veríssimo Luz Ferreira
Fur. Mil. da CCAÇ 1422 - Pelundo














OS MELHORES 40 MESES DA MINHA VIDA

(Continuação)
E VAI DAÍ:
Fascinado ainda, com o facto de ter visto Lisboa... aviões dos grandes... e barcos a atravessar um rio a que ouvi chamarem Tejo e ter ainda a possibilidade de também, poder ir ver pela primeira vez, o mar... as praias da Ericeira e mais agora esta notícia! Continências e divisas, foram-nos mostradas, bem como o manejo dos fuzis... o seu desmanchar em bocados e limpeza com o escovilhão.

No 3º dia e após o pequeno almoço, começou a preparação para que pudéssemos vir a ser militares disciplinados e bravos. Corridinhas na tapada... rastejar no meio da trampa... percursos de combate... saltos para o galho... jogos de brutobol... tiro na carreira do dito... actividades desportivas com vários empecilhos no meio... audição dos gritos estridentes e ameaçadores dos monitores do pelotão... enfim... toda uma panóplia útil que só mais tarde entendemos ter sido preciosa para que aqui e agora estejamos ainda semi-vivos e, ah, sempre de capacete enfiado... no local próprio de enfiar capacetes. Regressávamos depois e quase na hora do repasto. Banhito tomado, corneta a tocar e ala que são horas de almoço. Boas refeições sim senhor e até vinho havia e da cor que entendêssemos, embora eu achasse que aquilo era mais água...

A INVENÇÃO DO "XIS"
Enquanto ali e foram cinco meses, uma das instruções que nos prodigalizaram, foi precisamente o treinar visando um "xis" que desenhávamos em qualquer vetusta árvore da tapada onde ensaiávamos as guerras. Com os pés bem paralelos e melhor assentes no chão, à distância um do outro de mais ou menos 20 cm, e com o objectivo a 4 ou 5 metros, íamos atirando-lhe pedrinhas num movimento brusco. Diziam-nos e eu acreditei, que esta era a forma de aprender a disparar sem apontar com a G3, quer fosse no tiro a tiro, quer de rajada...
Em princípio pensei que se tratasse duma forma de nos concederem alguns bons momentos de descanso e ainda por cima naquele local paradisíaco.

Verifiquei depois e com a arma já na mão, que na realidade a coisa até funcionava mesmo. Também treinávamos enquanto instruendos, o atirar da faca de mato contra quaisquer outras árvores, se possível de tronco preto. A intenção era a de possível eliminação de sentinelas, é verdade. Hoje mesmo e às vezes a brincar com a que estripo e escamo os achigãs e a atiro contra qualquer salgueiro ali à borda... acerto sim nos pobres peixes.

De qualquer forma ali passávamos por aqueles momentos em sossego depois do matinal cross, que é assim uma espécie de maratona, em fato de trabalho e a correr de quando em vez, com cantil cheio, capacete e arma de fogo e com a barriguinha pesada do pequeno almoço tomado em púcaro d'aço e composto de qualquer mistela a que chamavam café com leite em pó, desfeito na amarelada água do convento. Em tais crosses do que mais gostava era quando os Exmos Instrutores diziam uma frase do estilo:  "a tua prima é boa?". Nós correndo e ao bater do pé direito teríamos de responder:  " É "; "Angola é nossa? "  E a gente tadinhos:  " É".

Em Abrantes e Tomar onde tive a honra de ajudar a preparar recrutas, inventei novas perguntas que e sendo essa a intenção, divertiam e ajudavam a suportar o sacrifício. Frases bem simples, maliciosas qb, mas que não posso dizer pois qu'a minha superior educação não permite recordar tamanhas indecências.
Aquela noite prometia deveras. A minha 1ª Companhia, acampara ali a seguir ao Sobreiro, mais propriamente na Achada, e do lado esquerdo de quem vai de Mafra para a Ericeira. Antes da saída do convento, fora-me transmitido que levasse o fato à civil, o que estranhei, pois que se íamos para passar uns dias no mato, para quê as calças, camisa, blusão azul, sapatos e meias? O local era porreiro, junto a um riacho, cheio de pinheiros, e foi ali mesmo que se montaram umas tendas onde coubemos os 150... oficiais e tudo... a cozinha de campanha... três jeep's .

A povoação ficava lá no alto e dera para ver que lugares prazentosos não faltavam, assim nos conseguíssemos desenfiar, para usufruir. Criaram-se postos de segurança... porta d'armas... a tenda do Comando... enfermaria. Dava portanto para entender que a guerra iria ser dura, só que ainda não sabíamos contra quem, mas o ar fingido dos Oficiais, fazia-nos perceber que não seria pêra doce. Chegada a noite e consultada a lista de serviço, verifiquei que todos os meus camaradas estavam nomeados, quer fosse para Sargento de dia, quer para... quer para, mas o meu nome não aparecia em nenhuma tarefa, o que me intrigou mas também esperançou a que viesse a ter uma noite descansada.

Não o foi... foi melhor do que isso. Graças ao "inimigo" apanhei a maior "torta" da minha iniciada vida na tropa. Chamado ao Cmdt do pelotão, sou então informado do porquê de ter levado o paletó e quejandos. 
Fui de imediato empossado na minha função de espião ou seja, de tentar conviver com as patrulhas inimigas, nas tascas lá de cima na povoação. Haveria de lhes conhecer os planos e localização, e competia-me a mim, sondá-los...
Daí a pouco parti, ou melhor, levaram-me até lá num dos jeep's, para não aparecer de sapatos sujos ao encontro que provavelmente iria ter e tive. Também me abonaram com 15 mil réis, para pagamentos a fazer das bebidas a sorver, tendo-me entretanto sido ministrado um curso rápido à James Bond, para conseguir as informações pretendidas.

Qual morador no local, fui serenamente passeando pela estrada, onde ainda transitavam duas carroças, puxadas, uma por um animal de raça asinina (portantus... um burro de quatro patas) e a outra, com mais potência por dois mulares (ou seja, verdadeiras mulas). Eis senão quando, miro lá dentro, na taberna que fazia esquina com uma rua perpendicular à via principal, miro lá dentro repito, 3 "tropas" de Mauser a tiracolo e tudo... e que eram mesmo quem eu procurava. Entrei, dei as Boas-Noites e fui correspondido até pelo Sr. João, o taberneiro, com quem eu havia estado antes e por isso lhe sabia o nome. A noite estava húmida, algo fria e aqueles não resistiram ao chamamento do local quentinho, qu'até o lume tinha aceso ali ao meio da sala de convívio. Palavra puxa palavra, acabei por oferecer um copo aos bravos militares, 4 pois que entretanto chegou outro que houvera saído do WC:.

Aceitaram e fui-os questionando: "Onde estão?"... "São de Mafra?"... "Quantos são?"... "O vosso Comandante é Fulano?"... enfim, uma actuação de verdadeiro profissional acabado de ser doutorado, ou seja... eu. Na verdade saquei o que podia, não desconfiaram de nada, e ao fim de duas horas assisti a uma deveras e acesa discussão, provocada pelos alcoóis ingeridos, pois que aguentavam pouco, ao contrário do que acontecia comigo que desde pequeno, mamava tinto. 
Dos quatro, dois queriam ir ao bordel que sabíamos bem onde era e os outros dois mais calmos propuseram que fôssemos ao local onde estavam instalados, deitar abaixo um vinhito americano de sua pertença. Era em Pinhal dos Frades, (como afirmaram e bendita inocência que nem precisei de perguntar). Calhava mesmo bem, pois disse-lhes que "moi même" vivia ali para esses lados. Acabei por os acompanhar... bispei qu'até os sentinelas dormiam e lá me dessedentei de novo.

Regressei depois a penates... "desbronquiei" tudo... louvado fui e nessa madrugada o ingénuo inimigo foi atacado por dois dos nossos pelotões, graças à minha perspicácia evidentemente. Aquilo foi fazer prisioneiros, primeiro os vigias, depois entrámos com grande à vontade e abarbatámos toda a Companhia. Dois anos mais tarde, recordámos (eu e um dos 4 daquela noite e agora Alf.Mil. do meu BCAÇ 1858) tal episódio e enquanto tomávamos um aperitivo no Café Portugal, junto à Praça do Império, Bissau. Rimos a bandeiras despregadas e quem nos viu, decerto pensou: -"Estes amaluqueceram". Entretanto vieram as marchas finais.

Era Junho de 1964 e o local, uma zona de pinhais e mato rodeando as culturas próprias dos pequenos agricultores que se esgadanhavam para tirar um pouco proveito daquele trabalho árduo. Viam-se por ali, de sol a sol, escavando... escavando, só parando ao ver os escanzelados militares em manobras a quem ofereciam um cigarrito, um copo do vinho que faziam para consumo próprio... uma fruta. E digam lá se a isto não se chama solidariedade? Esta iria ser a última semana difícil em Mafra, terminando assim os cinco meses de recruta e passávamos a 1ª fase para chegarmos a 1ºs cabos-milicianos. Houve rigor e tudo parecia ser mesmo uma guerra a sério e até nos era permitido o acesso a verdadeiras balas embora de madeira.

As situações treinadas assemelhavam-se à realidade das matas africanas e sempre supervisionadas por Oficiais Instrutores oriundos da Academia Militar, com experiência quer na preparação de homens, quer até, alguns, já conhecedores da verdadeira tormenta africana. Ambicionávamos que aquele malvado tempo passasse depressa, porque logo após, teríamos o gozo de um mês de férias, antes do reinício do que se chamava especialidade, que todos nós escolhêramos, acreditando ser possível. Claro que a maior parte foi cair na de atirador, com'a mim. Feitas as pazes com o inimigo, outros d'outras companhias e também instruendos, procedeu-se ao regresso, em passeio pedonal de trinta e cinco Km.

O estado físico geral era pior que mau, mas o ânimo voltou quando, ao chegarmos às imediações do quartel, fomos subitamente atacados pelo Hino Nacional abrilhantado pela Banda Musical Militar. E o inimaginável aconteceu: aqueles verdadeiros homens cansados, arrebentados, tristes e acabrunhados, revigoraram... marcharam garbosamente... endireitaram-se... honraram a farda... tornaram-se capazes até... de chorar. Domingo à espreita... e deu-se a cerimónia do "Juro, como Português e Militar... defender a minha Pátria... mesmo com o sacrifício da própria vida". Fomos então autorizados a sair e pela 1ª vez, de civis vestidos, para o retorno não definitivo à vida, que sim, essa era a nossa de antes e que iria ser a de depois. Descer aqueles degraus do 5º andar até cá baixo, nunca me atrevera a pensar que me saberia tão bem. Foi o correr para a boleia do Miranda que fez o favor de me deixar em S.ta Apolónia.

Depois... o chegar a casa... o reencontro com os familiares... a festa... a galinha assada nas brasas... o reconhecer de novo de que "como é bom ser gente"... poder ir à pesca... nadar nas águas límpidas do rio Sôr... o colher da fruta na horta... o comer uns passarinhos fritos... dormir que nem um justo. Até que um dia e só haviam passado trinta, lá veio a desmancha prazeres da informação de que me devia apresentar em Tavira para completar o processo e poder usar as divisas de duas riscas encarnadas viradas para o cachaço e ainda outra mais pequena apontando o chão e inseridas ainda num paninho verde.
(Continua)


Veríssimo Ferreira (2015)



Publicado por
Manuel Resende (Ferreira)

Post Nº 50 - A Minha Guerra (Firmino)

José Rodrigues Firmino
Sol. Atir. em Jolmete (Pelundo – Teixeira Pinto)
CCAÇ 2585 – BCAÇ 2884















Caros Camaradas e amigos:

Vou publicar um texto que escrevi para uma pessoa que está a fazer um livro sobre o assunto, e publico neste blog, para que todos os meus amigos e camaradas o possam ler.



José Rodrigues Firmino
Nasci a 29 de Junho de 1947
Fui incorporado no RI 14 (Regimento de Infantaria de Viseu),
Especialidade no RI 1 (Regimento de Infantaria Um da Amadora) e
IAO no Pragal (Almada). IAO quer dizer Instrução de Aperfeiçoamento Operacional, e era feito imediatamente antes do embarque para a guerra.
Fiquei a pertencer à Companhia de Caçadores “2585 – É AQUELA MÁQUINA” e ao Batalhão de Caçadores “2884 – MAIS ALTO”













O texto a seguir apresentado foi escrito por mim em 2013 e publicado no blog “Memórias de Jolmete”. Aqui resumo a minha passagem por Jolmete, no Norte da Guiné.
Ver “MEMÓRIAS DE JOLMETE” – Post Nº 8-Uma história de vida


***
Uma história de vida:
Sou José Rodrigues Firmino, presentemente com 65 anos de idade, e aproveito para trazer aqui um pouco da minha passagem pela Guiné Bissau, antiga colónia Portuguesa, enquanto militar. Decorria a década de sessenta, mais concretamente o dia 7 do mês de maio de 1969, quando no cais marítimo de Alcântara em Lisboa, eu e tantos outros jovens rumamos para a Guiné Bissau, com o objetivo de cumprir o serviço militar obrigatório, numa das ex-províncias Ultramarinas, que com muita mágoa minha, alguns teimam em esquecer ou ignorar.

Na hora marcada, lá estava atracado o cargueiro Niassa, pronto para levar, jovens tirados precocemente aos seus pais, namoradas e até mulheres, rumo aquele País para nós desconhecido, para uma guerra que nunca desejamos e desconhecíamos. A viagem foi muito dolorosa e atribulada, para começar a alimentação era péssima, as camas ali chamadas de “tarimbulas” eram feitas em madeira, algumas casas de banho eram barracos cobertos com chapas de zinco.


Cargueiro  Niassa


Chegados à Guiné Bissau lá estavam à nossa espera viaturas militares para nos conduzirem até à lancha que nos levaria, Mansoa acima, até Teixeira Pinto. Dormimos três noites numa escola, em que os nossos colchões eram simplesmente o chão da própria escola. Após três noites de estadia em Teixeira Pinto outra etapa nos aguardava, irmos para o nosso destino, Jolmete, que ficava a 20Km de distância. Organizada a coluna, viaturas militares nos levaram para a zona de Jolmete, uma das zonas mais isoladas da Guiné.

Por fim chegados a Jolmete (onde estive toda a comissão de serviço), fomos  distribuídos por diversos pelotões, começando ai o nosso tormento.
Todos os dias pensava se conseguiria chegar ao dia seguinte, felizmente cheguei  outros não tiveram a mesma sorte infelizmente.



Aquartelamento em Jolmete



Mesmo com a nossa juventude, sabendo que tínhamos de lutar, para não morrer, sinto orgulho de ter podido continuar com nosso trabalho, ajudar na melhoria das condições de vida daquelas populações. Construímos 22 tabancas (habitações), não direi excelentes, mas muito melhores do que as existentes, uma escola, uma cozinha comunitária, um abrigo para um grupo de combate, uma padaria, etc.







Lutando e construindo.


Inauguração da Escola


Para além do trauma de guerra, revolta-me o esquecimento por vezes até o abandono a que todos os ex-combatentes estão sujeitos por parte de grande parte da sociedade e muitos governantes em geral.
Desconhecem que muitos perderam a vida, outros regressaram com deficiências, muitos nunca conseguiram ultrapassar o trauma da guerra. Há relatos que alguns ex. Combatentes, para além de estarem na miséria, passam fome.

Adoro o meu País defendi a nossa bandeira, ignorados jamais esquecidos. Tenho pelo povo Guineense a maior consideração e estima estais para sempre no meu coração. Ainda hoje pelo que acabei de transcrever modestamente vamos ajudando o povo Guineense e suas populações com o envio de sementes e outros bens, abertura de poços com água potável, livros, material didáctico, etc.
Assim termina o testemunho de alguém que, mesmo contrariado, sente orgulho em ter servido o seu pais, defendendo a sua bandeira.
José Rodrigues Firmino (Março de 2013)
***


Disse atrás que muitos camaradas perderam a vida na guerra, e da minha Companhia tivemos quatro mortos:
o Soldado António Barbosa e o Milícia João Silva, vítimas de acidente com arma de fogo no dia 27 de Maio de 1969; 
o Soldado Indibe Sambú e o Milícia Dante Cadí em 22 de Junho de 1969, um mês depois, estes em combate, vítimas de uma emboscada.


Eu na Capela lembrando os nossos mortos


A minha Companhia teve uma actividade operacional muito grande, com saídas diárias para o mato, a par dos trabalhos de construção civil e alfabetização da população.

Ver “MEMÓRIAS DE JOLMETE” – Post Nº 6-Actividade Operacional da CCAÇ 2585-É aquela Máquina


Tivemos também dois louvores do Comando-Chefe da Guiné, Sr. General Spínola pela actividade desenvolvida no âmbito da nossa Companhia e que transcrevo, mas também podem ser vistos no blog atrás citado:

Ver “MEMÓRIAS DE JOLMETE” – Post Nº 13-Louvores e Condecorações







Durante a minha comissão ocorreu um acto terrorista, mais concretamente a 20 de Abril de 1970, e que foi o que mais me marcou em toda a comissão, quer pela brutalidade dos assassinatos, quer pela proximidade do meu quartel.
A morte (assassinato) de sete pessoas, desarmadas, em prol da paz na Guiné.

São eles:
Major Passos Ramos
Major Magalhães Osório
Major Pereira da Silva
Alferes Joaquim Mosca (da minha Companhia)
Dois condutores dos Jipes
Um Tradutor

Ver mais pormenores em:
“MEMÓRIAS DE JOLMETE” – Post Nº 2-A minha Guerra



Terminada a comissão na província da Guiné em Fevereiro de 1971, regressei à Metrópole no cargueiro Uíge, tendo desembarcado no dia 2 de Março de 1971.


Cargueiro Uige



José Rodrigues Firmino
Dezembro de 2015



Publicado por
Manuel Resende (Ferreira)