6 de novembro de 2015

Post Nº 43 - Um telefonema ... com final feliz (16)

Augusto Silva Santos
Fur. Mil. da CCAÇ 3306 em Jolmete (Pelundo - Teixeira Pinto)














16 - Um telefonema complicado com final feliz…

Durante a minha passagem pelo B.CAÇ.3833 / C.CAÇ.3306, mais propriamente por Jolmete e, após termos tido um forte contacto com o IN na “famosa” zona de Badã em 04-03-1972, muito perto da não menos “famosa” zona de Ponta Matar, contacto esse do qual infelizmente resultou em 10 feridos para as nossas tropas (alguns dos quais com bastante gravidade), tendo eu escapado ileso por “milagre”, senti nos dias posteriores uma forte necessidade de contactar / falar com os meus ente-queridos.

Importa salientar que os deuses nesse dia estiveram de facto comigo… Só me lembro de ter sido projectado pela acção do sopro de um rebentamento de RPG, de ter batido numa palmeira, e ter caído em cima de um Soldado, sem ter sido atingido por qualquer estilhaço, portanto sem qualquer ferimento, sorte que infelizmente não tiveram os camaradas feridos que estavam perto de mim.

Dado que tal contacto telefónico não seria possível de realizar, nem em Jolmete nem no Pelundo, restava a alternativa de tentar fazer o mesmo em Teixeira Pinto, o que não era de todo fácil de concretizar.

Assim, cerca de um mês depois, aproveitando uma coluna para o Pelundo, ofereci-me para essa deslocação, primeiro para dar um forte abraço ao meu irmão que estava naquela localidade na C.CAÇ.3307 e, depois, para ver então a hipótese de me deslocar a Teixeira Pinto nesse dia para concretizar o meu segundo objectivo.

Azar… Nesse dia, no distante mês de Abril de 1972, já não estava programada mais nenhuma deslocação do Pelundo para T. Pinto. Perante o meu desespero / desânimo e, sem que eu estivesse à espera, aparece o meu irmão com um jeep (ele era Furriel Mec. Auto da sua Comp.ª), meteu-me nele e, apenas com uma G3, lá fomos os dois direitos a Teixeira Pinto / Estação dos Correios.

Após algum tempo de espera dado o improviso (não estava programada qualquer chamada), lá consegui que me fizessem um pouco à sorte a ligação, mas finalmente consegui falar com os meus pais, algo que obviamente fiz com muita dificuldade dado o embargo da voz. Acabámos depois por ir comer umas rolas na “tasca” do Jaime, situação mais ou menos habitual naquelas paragens.

Costuma-se se dizer, “tudo bem quando acaba em bem”, pois tanto na ida como no regresso não tivemos qualquer mau encontro, mas foi uma aventura mais ou menos perigosa, pois o normal era que estas deslocações se realizassem com uma escolta.

E tudo isto por causa da necessidade de um telefonema…

Como explicar isto à geração actual, cujas facilidades de comunicação hoje em dia, são o que são? Aproveito para juntar duas fotos que testemunham tal acontecimento, a primeira tirada no varandim da dita estação dos CTT e, a segunda na estrada em frente, ambas com data de Abril 1972, bem como três fotos que tirámos no acampamento do PAIGC em Badã, momentos antes do fatídico acontecimento, datadas de Março 1972.


 Jolmete Março 1972 Acampam. PAIGC em Badã


Teixeira Pinto Abril 1972


 Jolmete Março 1972 Acampam. PAIGC em Badã


Teixeira Pinto Abril 1972


Jolmete Março 1972 Acampam. PAIGC em Badã




Augusto Silva Santos



Publicado por
Manuel Resende (Ferreira)



1 de novembro de 2015

Post Nº 42 - "O Segredo de..." (15)

Augusto Silva Santos
Fur. Mil. da CCAÇ 3306 em Jolmete (Pelundo - Teixeira Pinto)














15 -  “O segredo de…”

Depois de ter lido o recente poste do camarada António Graça de Abreu sobre esta série e, de igualmente ter consultado alguns dos postes anteriores sobre este mesmo tema por influência do que o Luís Graça escreveu, no seu blog "Luís Graça e Camaradas da Guiné", ganhei coragem para partilhar convosco algo que menos de meia dúzia de pessoas até hoje tomaram conhecimento.

No meu tempo de Guiné, mais propriamente aquando da minha passagem pela Secção de Justiça do Depósito de Adidos em Brá no ano de 1973, procedi a algo que, na altura a ser descoberto, no mínimo constituiria matéria do foro do direito penal militar, mas do qual ainda hoje não me arrependo por considerar que, em consciência, procedi de forma a aliviar um sofrimento desnecessário de um camarada.

A única situação que ainda me pode causar algum arrependimento, relaciona-se com o facto de ter traído a confiança do Chefe da Secção de Justiça, pessoa com idade para ser meu pai, que em mim confiava e que na realidade me tratava como um filho. Mantinha com ele uma relação muito franca e cordial, daí ainda hoje o meu constrangimento.

Conforme já mencionei em poste anterior, o facto de estar colocado no Depósito de Adidos, obrigava a que periodicamente fosse escalado para fazer Sargento de Dia à Casa de Reclusão Militar igualmente sita em Brá, tendo num desses serviços tomado conhecimento de que um Soldado Condutor do meu ex-B.Caç.3833, mais propriamente da C.Caç.3307, e que a mim se dirigiu, se encontrava detido há já seis meses, pelo facto de numa das suas últimas deslocações do Pelundo para Bissau numa coluna de reabastecimento, na estrada perto de Có, ter atropelado mortalmente um guineense, na sequência do qual lhe foi movido um processo. Depois do Batalhão ter regressado à metrópole em Dezembro de 1972, aquele mesmo processo transitou para a Secção de Justiça do Depósito de Adidos, na qual eu exercia então a função de escrivão.

O Soldado em questão encontrava-se numa situação delicada e sem perspectivas de o processo ter um fim breve e favorável a seu rápido regresso à metrópole, primeiro porque a vítima se tratava de alguém importante na tabanca onde habitava, e depois porque os testemunhos sobre como o atropelamento se havia dado há bastantes meses atrás, eram algo contraditórios relativamente às pessoas inquiridas. Os militares então ouvidos disseram que a culpa havia sido do guineense que atravessou a estrada de repente e entre as viaturas que constituíam a coluna, sem ter dado tempo a uma travagem, e os testemunhos dos guineenses então também inquiridos, diziam que a viatura conduzida pelo Soldado em questão seguia em excesso de velocidade e que nem havia tentado uma travagem. O Condutor que comigo várias vezes falou sobre o assunto, garantia-me que o infeliz se havia atravessado  entre a viatura por si conduzida e a que seguia na sua frente a curta distância, facto que não permitiu que o tivesse avistado a tempo de travar, pelo que não se considerava culpado do atropelamento.

O processo continuava a arrastar-se sem fim à vista, embora o já mencionado Oficial de Justiça, de alguma forma por mim “pressionado”, já tivesse manifestado a intenção de dar conclusão ao mesmo após o seu regresso de férias à metrópole, o que representava a prisão efectiva do infeliz Soldado, no mínimo por mais dois meses. Aproveitando a ausência do Oficial em questão em gozo de férias, procedi ao “crime” de dar o processo como concluído e remetido o mesmo para despacho, falsificando a assinatura do Capitão. Desta forma, passado poucos dias o Soldado saiu da situação absurda de recluso, tendo o seu regresso à metrópole sido uma realidade passado pouco tempo.

Importa salientar que os processos na Secção de Justiça eram tantos que o Capitão (felizmente para mim) nunca mais se lembrou daquele, e que o Soldado em questão apenas tomou conhecimento que eu havia pedido para que a conclusão do seu processo fosse célere, e nunca da situação atrás relatada.

Apelo à compreensão de todos os camaradas por esta minha atitude tomada em tempo de guerra e em circunstâncias então vividas, e apenas levada a cabo com o intuito de auxiliar um camarada alegadamente inocente. Se o nosso camarada Joaquim Luís Fernandes que, tal como eu, prestou serviço naquela Secção de Justiça, ler este meu relato, espero igualmente a sua compreensão.


Nota: 
Neste relato por mim escrito passados mais de 40 anos desta ocorrência, cometi um pequeno erro devido ao facto a distância temporal, que agora aproveito para corrigir. O acidente ocorreu efectivamente na estrada do Pelundo para Teixeira Pinto, e não do Pelundo para Có, como acima referi.
Esta situação foi-me recentemente corrigida, mais precisamente no passado mês de Junho do ano em curso pelo Júlio Ledo, o ex-Soldado Condutor envolvido no acidente em questão, e com o qual me encontrei por iniciativa de um outro ex-camarada, passados 42 anos.
Nunca esperei que tal viesse a acontecer, pois não era minha intenção nem era de supor que o Júlio viesse a tomar conhecimento da situação relatada, mas a vida tem destas coisas…


 1.Brá, Março 1973 CRM


 2.Brá, Março 1973 CRM


 3.Brá, Março 1973 CRM


4.Brá, Junho 1973 Dep. Adidos


 90-O PIFAS


Aveiro. Jun.2015 Júlio Ledo, A.S.Santos, Quim Zé



Augusto Silva Santos
21-01-2013


Publicado por
Manuel Resende (Ferreira)




29 de outubro de 2015

Post Nº 41 - A minha passagem pelo Depósito de Adidos (14)

Augusto Silva Santos
Fur. Mil. da CCAÇ. 3306 em Jolmete - (Pelundo-Teixeira Pinto)















14 - A minha passagem pelo Depósito de Adidos

Depois da partida do BCAÇ.3833 para a metrópole no navio Uíge, que ocorreu em Dezembro de 1972, fui colocado no Depósito Geral de Adidos em Brá. Naquele Batalhão pertenci à CCAÇ.3306 colocada Jolmete, para onde fui em rendição individual.

No Depósito de Adidos, para além do serviço na Secção de Justiça como escrivão, tinha também periodicamente, para além dos serviços inerentes à Unidade, a missão de fazer Sargento de Dia à Casa de Reclusão Militar. Lembro-me que no primeiro dia em que isso aconteceu, no Render da Guarda tinham desaparecido 12 reclusos, que entretanto ao longo da semana foram voltando. Na segunda vez desapareceram mais 5, que mais tarde também voltariam a aparecer. Esta era uma situação comum com outros camaradas que faziam esse mesmo serviço, que igualmente se queixavam e viviam o problema.

Nunca ninguém (pelo menos no meu tempo) chegou a saber ao certo por onde os presos fugiam, só sei que eles saíam para ir ao Pilão a Bissau (às “meninas”) e deliciarem-se com alguns petiscos, e que mais tarde voltavam sempre (alguns obviamente eram apanhados pela PM). Tive alguns dissabores (ameaças de levar uma “porrada” se os reclusos não aparecessem), pelo que a partir de determinada altura e, por sugestão de outros camaradas mais antigos (inclusivé de um 1º Sargento), combinei com um dos reclusos (o mais velho, um Fuzileiro com a alcunha de “Grelhas” e que se dizia havia tido um “confronto directo” com o Cor. Paraquedista Rafael Durão, tendo este como consequência, partido uma mão), para fazer uma “escala de saída”, com a condição de todos estarem presentes ao Render da Guarda. Remédio santo, ou seja, nunca mais faltou nenhum recluso quando estava de serviço. A esta distância parece caricato, mas o que é certo é que a “medida” funcionou (para mim e para os reclusos).

O meu relacionamente com a maioria dos reclusos era regra geral muito cordial e sem grandes problemas. Alguns eram considerados como “perigosos” por terem cometido crimes com alguma gravidade no teatro de operações ou no interior das suas unidades, mas sinceramente nunca observei nada que me levasse a acreditar nessa perigosidade ou a ter receio fosse do que fosse. Relembro que, na sua maioria, eram camaradas nossos, que pelos mais diversos motivos haviam caído nesta situação. De qualquer forma não deixavam de o ser (camaradas), pelo que assim sempre os considerei, embora com as limitações a que a situação obrigava.

Quando já me faltavam escassos 3 meses para acabar a comissão, por ter discordado de uma ordem mal dada por um oficial (o que viria a ser confirmado) e chegado a via de factos, fui castigado com 5 dias de detenção. Só não apanhei 5 dias de prisão porque tinha dois louvores e tive vários Furrieis e Sargentos que presenciaram os factos a testemunharem em meu favor. Foi-me na altura dito pelo então Comandante do Depósito Geral de Adidos, um tal Major Francisco Ferreira, de alcunha “o Galo” por andar sempre todo emproado (usava um boné à Hitler), que eu tinha razão, mas que a democracia ainda não tinha chegado à tropa (sic), e que a ordem de um superior, mesmo mal dada, era para ser sempre cumprida. Como consequência, fui ainda castigado com o ter de fazer a guarda de honra ao General Spínola, na sua última deslocação a este aquartelamento, o que para mim na altura até foi mesmo uma honra.

Lembro-me que, nos finais de 1973, era já grande a tensão entre as NT, principalmente por acontecimentos como os de Guileje e Guidaje (entre outros), factos dos quais íamos tomando conhecimento por relatados de camaradas que pelo Depósito de Adidos iam passando. O facto de o PAIGC possuir os mísseis terra-ar Strela, passou a ser um grande problema para a nossa força aérea.

Também me recordo de Bissau começar então a ser cercada de arame farpado e da colocação de minas nalgumas zonas da sua periferia, e de nos ter sido comunicada a possibilidade de podermos vir a sofrer em qualquer altura um ataque por terra ou por ar, por também constar que o IN já possuía os famosos MIGs. Isto passou-se perto do final de Dezembro de 1973, altura em que terminei a minha comissão e regressei a Portugal.



 87 - Cumeré - Dezembro 1972 Com uma mascote


 88 - Cumeré - Dezembro 1972 Primeira foto à civil


89 - Cumeré - Dezembro 1972 Despedida do B.CAÇ. 3833


 Brá Agosto 1973 Dep. Adidos (2)


 Brá Agosto 1973 Dep. Adidos


Brá Fevereiro 1973 Dep. Adidos


Brá Junho 1973 Dep. Adidos







Augusto Silva Santos
19-09-2013

Publicado por
Manuel Resende (Ferreira)