Veríssimo Luz Ferreira
Fur. Mil. da CCAÇ 1422 -
Pelundo
OS MELHORES 40 MESES DA MINHA
VIDA
(Continuação)
E VAI DAÍ:
A 4 de Julho de 1964, após
portanto, 5 meses e 10 dias a frequentar o 1º ciclo do Curso com aproveitamento
e todos os créditos alcançados, consideraram-me
então, apto para o 2º, ou seja, "tirar" a especialidade de "atirador" e como ordens
não se discutem, aí vais EU, para Tavira.
Terra linda que continuo a visitar. Linda praia, onde até a água era e é,
quente, comparada com a da Ericeira, de que tinha provado o sal. Boas gentes,
embora e nesse período, as tenha considerado más com'ás cobras, tendo em conta
que quando os pobres militares, sedentos e até com alguma fomita, colhíamos
algumas, amêndoas, alfarrobas ou figos, ou ainda, lhes bebíamos umas gotas nos
escassos poços existentes...iam de imediato participar ao quartel e algumas
vezes desembolsámos os 25 tostões para compensar o prejuízo.
A miséria patrimonial, deste
povo algarvio, era notória e justificava a queixa. O turismo mal começara e
aquelas frutas e água, eram o seu ouro. No que se refere à instrução militar,
foi o acrescento próprio, para quem já estava treinado. Novidade apenas para o
"DEITÁÁÁÁR" nas salinas. Lindo de se ver, creiam. E nós...
vestidinhos... lavadinhos e engomados... calçadinhos... botas engraxadas e
reluzentes, espelhando o sol quente desse mês de Julho... obedecíamos está
claro. Saíamos enlameados, cheios de lodo até aos cabelos, mas mais fortes
alguns, aqueles que engoliam alguma distraída enguia. À tardinha dispensavam-nos e
podíamos então confraternizar com as tascas locais, onde sempre comíamos
generosas doses de grandes conquilhas, ou jaquinzinhos atados pelo rabo e em
grupos de 5 ou 6, regados com aquele saboroso tintol carrascão de tal forma,
que até os dentes ficavam coloridos. Alguns mais afortunados, proporcionavam a
outros, passeios e assim conheci, Quarteira, Armação de Pera, Albufeira e Faro.
A cenas incríveis mas divertidas, assisti...de difícil entendimento prá época, mas que me ajudaram nas formações, cívica, intelectual e moral, três elementos importantes para uma sã convivência entre pessoas mas que entretanto perdi em qualquer lado. Reparem nesta: Um jovem, ainda quase acabado de nascer, havia casado e "exibia" vaidosa e orgulhosamente a sua bem bonita e formosa esposa, que para além disso, era também alegre e bem formada moralmente, (ao que soube mais tarde). Nós mirones e o casal fazia questão de procurar sentar-se em locais onde nos concentrávamos, olhávamos gulosamente, aqueles belos joelhos dela (única parte anatómica, possível de ver nas damas e que hoje nem reparamos se têm, dada a forma como se despem até à cintura).
Mas, caras meninas, continuem seduzindo e poderão fazê-lo se seguirem o douto conselho da avó duma das minhas mais que muitas apaixonadas e que um dia me disse: "Até ao joelho, é para quem quiser ver, daí para cima, é para quem merecer". Mas a cena risível aconteceu assim: Uma noite e vendo o casal que estávamos completamente d'olhos em bico, fitos exclusivamente naquele bocado onde está a rótula, levantou-se o rapaz, olhou-nos corajosamente e sem tergiversações gritou: É BOA...MAS É MINHA.
E em 30 de Agosto de 1964, fui
promovido a 1º Cabo-Miliciano, pois então... Começa aí um percurso agitado, com
constantes mudanças, assim estilo "faça férias cá dentro" e foi o que
me valeu para ficar bem a conhecer, algum deste País, que eu julgava ser só o
Alto-Alentejo. 1º Amadora (Regimento de Infantaria 1); 2º Lamego ( Rangers); 3º Tancos (Minas
e Armadilhas); 4º Lisboa (Grupo C. Trem
Auto); 5º Abrantes (Regimento Infantaria
2); 6º Tomar (Regimento Infantaria 15); 7º Guiné.
À Amadora cheguei... nem a
almoço tive direito... e mandam-me avançar, de forma a estar e sem falta, no dia seguinte em
Lamego. Já algo desenrascado, apanho
comboios, mais comboios e certo é que às 8,30, entro no novo poiso e qual não é
a minha sorte que dei de caras, logo à porta de armas, com um herói da minha
terra, combatente já com uma comissão prestada em Angola, monitor agora, das
tropas a preparar.
Trocámos abraços, continências e amigáveis palavras. A caserna era óptima e fiquei em lugar privilegiado de cama. Fora dos últimos a chegar e não houve hipótese de arrebanhar melhor. Havia só que subir três beliches, até chegar ao 4º onde dormia e com uma vista fantástica para os barrotes em madeira, que até me davam para estender a roupa molhada e esta, por sua vez, passava as gélidas noites, a afagar-me a calejada epiderme, durante os raros momentos que ali estacionei, pois que os treinos eram constantes, a qualquer momento e prolongados, estafantes. Foram tempos duros, mas foram também, uma óptima preparação para as dificuldades que vieram depois. Ficou-me gravada, a frase "Nunca se sabe", resposta que sempre ouvíamos a qualquer pergunta que fizéssemos.
Tancos, desejava-me
ardentemente e as Minas e Armadilhas que as amasse... e a Barquinha ali tão
perto e com tão boa comida e melhor buída... Passou-se e eis senão quando, me
vejo a caminho de Lisboa, Av de Berna, Grupo de Companhias Trem Auto, o que me
confundiu do porquê. E não só a mim, também o Senhor Sargento da Secretaria se
espantou e exclamou: Ora porra, pedi um Cabo-Miliciano condutor e mandam-me um atirador? Mas... (e
há sempre porreiro mas)... continuou ele: Aguente aí ó patrício, você é da
Ponte Sôr... eu sou de Alter... temos de resolver isto. E após perguntar-me se
conheço a capital e eu respondido "negativo", decidiu que eu devia
ficar por ali, até que fosse rectificado o lapso, o que deveria demorar um mês.
Sem função atribuída, saía, à civil, de manhã e voltava para dormir, num quarto
com mais sete militares e cinco ratazanas, das maiores que já vi. Turismei.
Vi cinema nos: Piolho...
Condes... Éden... S Jorge...; Conheci, a
desoras, as boas zonas... Intendente... Cais Sodré... Bairro Alto... Alfama...
Mouraria... Madragoa...; Vi campos de futebol, com relva imagine-se... o
aeroporto... Cabo Ruivo e os hidroaviões... comboios em Santa Apolónia e Rossio...
Fui a Cacilhas... ao Jardim Zoológico... Parque Mayer... Parque Eduardo VII...
Feira Popular...; Comi bifes na Solmar... Portugália... Império... Ribamar...
sopa de marisco na Rua de S.José... iscas na Travessa do Cotovelo... bacalhau
com grão no João do Dito...; Bebi na
Ginginha e no Pirata e uns tintos no Quebra Bilhas... Até que um dia me
transmitem: Vais para Abrantes.
Bati o pé e disse: NÃO VOU... E FUI.
Bati o pé e disse: NÃO VOU... E FUI.
Em Abrantes, estava mais perto de casa, o que me agradou. Lá se foi passando o tempo e coube-me ajudar o Oficial instrutor, ensinando novos militares. Porque alguns de nós, os recentes cabo-milicianos, estávamos já a ser mobilizados, fui-me preparando. Contudo, tal mobilização só veio a acontecer, quando já houvera prestado 20 meses de tropa. Entretanto em Abril de 1965 e "por equivalência a seis meses consecutivos em Unidade Operacional, condição a que satisfaz para promoção ao posto imediato (sic) ", fui promovido a Furriel-Miliciano. Estava então em Tomar a preparar outros jovens, que afinal acabaram por ser os que fazendo parte da Companhia de Caçadores 1422, embarcaram comigo para a Guiné, em 18 de Agosto.
Quando digo
"embarcaram comigo", em vez de "embarquei com eles", deixem
que explique: Quer o Comandante, quer os restantes Oficiais e Sargentos, haviam partido uma
semana antes, de avião, ficando apenas connosco, um senhor Sargento-ajudante,
pessoa com alguma idade e peso e que era chefe de secretaria. A ele pertenceria
comandar-nos antes do embarque, no desfile perante as autoridades... perante os
nossos familiares presentes. No último momento, nomeia-me para o fazer. Tamanha
responsabilidade, fez-me tremelicar, mas ordens não se discutem. COMANDEI.
Veríssimo
Ferreira (2015)
Publicado por
Manuel Resende (Ferreira)