3 de setembro de 2015

Post Nº 31 - De Caçador a Caçado (4)

Augusto Silva Santos
Fur. Mil. da CCAÇ 3306 – Jolmete (Pelundo – Teixeira Pinto)
  













4 - DE CAÇADOR A CAÇADO

Estando a época das chuvas em plena actividade e, consequentemente os reabastecimentos por via terrestre à Companhia demoradas por tempo indeterminado dadas as dificuldades de acesso a Jolmete, nalgumas ocasiões começava a escassear a comida dita normal, pelo que o recurso à mais variada alimentação de ocasião era absolutamente comum, embora repetitiva e nem sempre do nosso agrado.

Assim, passados alguns dias nesta rotina alimentar, o pessoal começava a ficar farto das rações de combate e de outro tipo de alimentação à base de conversas, sempre com o arroz presente, pelo que era igualmente normal o recurso aos mais variados estratagemas para se arranjar algo fora daquele esquema.

Uns recorriam ir à tabanca na tentativa de arranjar um leitão ou um frango (nem sempre da forma mais correcta), ou mesmo comprar alguns peixes apanhados pela população nos braços do rio Cacheu. Outros tentavam caçar algo, se bem que da caça grossa estivéssemos dependentes de quem sabia onde efectivamente a podia fazer, nomeadamente de noite, como era o caso do Comandante da Milícia, de seu nome Dandi. Ainda me lembro de ter comido hipopótamo, gazela, e búfalo.

Da outra bicharada menor encarregávamo-nos nós de tentar caçar, quase sempre à volta do quartel. Lembro-me de numa ocasião me terem dado a comer macaco que alguém caçou numa armadilha, julgando eu que era cabra do mato. Na altura foi um manjar. Este era o meu caso que, beneficiando do empréstimo de uma espingarda de pressão de ar de 5,5mm (*), lá me ia aventurando a caçar alguma pardalada para o petisco (o lema era tudo o que voasse era bom para comer), e assim lá me iam orientando com as mais diversas aves e, quando a sorte estava do meu lado, com algumas rolas e pombos verdes à mistura, para a partilha com os amigos mais próximos.

Acontece que numa dessas minhas deambulações pelas cercanias do quartel, e sempre avisando as sentinelas de que andaria por ali perto, mais propriamente pela orla da mata, sou surpreendido pela correria mais ao menos desenfreada de uma bajuda acompanhada pela sua mãe, a qual passando por perto me gritou bem alto: - Fuji Furriel, fuji…

Escusado será dizer que, qual “Carlos Lopes”, deitei a correr quanto pude e só parei ofegante já dentro do quartel. Na altura não vi ninguém, mas no outro dia ao passarmos com uma patrulha pelo local e num sítio um pouco mais afastado, lá estavam as marcas de algumas sandálias de plástico, daquelas tão bem conhecidas de todos nós e que eram usadas pelo PAIGC.
Por pouco não virei de caçador a caçado…
                               
Obs. (*) Importa salientar que, passados 40 anos, vim a saber que a espingarda pressão de ar utilizada, foi aquela que o Manuel Resende também utilizou nas suas caçadas, e que lá deixou para o pessoal da CCAÇ. 3306.
E que arranjo nos deu!

Jolmete Agosto 1972 Trilhos de Gel - Caláque


Jolmete Agosto 1972 Convívio


Jolmete Agosto 1972 Estrada de Gel


Jolmete Agosto 1972 Estrada Velha de Bula - Ponta Catel




15-07-2012
Augusto Silva Santos



Nota de Manuel Resende:
Esta pressão de ar, Diana 35 de 5,5 de calibre, foi comprada na casa Pintosinho de Bissau, a meu pedido, pelo nosso 1º Sarg. Vinagre numa das suas deslocações mensais a Bissau em 1970. Já não me recordo o preço, mas, antes de regressarmos, vendi-a a alguém que a comprou por um preço simbólico. Devo dizer que a 100 metros não falhava uma perdiz ou uma rola das negras (que eram maiores). Também muitos pombos verdes caíram, até descobrir que tinham muitos bichos nos intestinos. A estreia e afinação de pontaria foi com um abutre, de que tenho uma foto no meu álbum.




Publicado por
Manuel Resende (Ferreira)


28 de agosto de 2015

Post Nº 30 - A Cobra Cuspideira (3)

Augusto Silva Santos
Fur. Mil. da CCAÇ 3306 de Jolmete (Pelundo – Teixeira Pinto)















3. A Cobra Cuspideira

Embora a maioria do pessoal da minha Companhia fosse constituída por Soldados do norte do país, nomeadamente de Trás-os-Montes, portanto por pessoas habituadas a trabalhar no campo e a lidar com os mais variados animais, ou seja, sem qualquer medo de bichos, sempre havia um outro que, pelos mais diversos motivos, não podia ouvir falar em cobras.

Foi uma dessas situações que levou a que se inventasse que já se havia visto perto do quartel cobras cuspideiras, bicho terrível que poderia cegar uma pessoa, ao cuspir o seu veneno para os olhos.

Era uma realidade, no entanto ainda hoje desconheço se existem ou não cobras cuspideiras na Guiné (*), não tendo isto na altura passado de uma mera invenção para assustar um dos Soldados, que tinha um terrível pavor que tal lhe viesse a acontecer. Mal ouvia o rastejar de um rato ou de um lagarto em cima da chapa que cobria o abrigo, aí estava ele em alerta total. Lembro-me que a esses lagartos chamávamos de “paga dez”, por estarem sempre a fazer o que pareciam flexões.

Para em definitivo (ou não) se tentar acabar com aquela fobia, alguém um dia se colocou no lado de fora numa das vigias do abrigo imitando o rastejar e o silvo de uma cobra, para atrair o coitado do Soldado, que estava na sua hora de descanso. Para completar a situação, outro entrou no abrigo a gritar que lá fora estava uma enorme cobra.

Tendo aquele espreitado pela vigia para ver se via algo, é-lhe despejado um valente bocheco de água nos olhos. Escusado será dizer que o infeliz deitou a correr para o meio da parada, com alguns trambolhões pelo meio, pois tentava tapar os olhos com as mãos, gritando: - Estou cego, estou cego, estou cego!...

Obs.: (*)  Mais tarde viria a confirmar que efectivamente existem, e que são mesmo muito perigosas. Trata-se da cobra “Naja nigricollis Reinhardt” que normalmente chega ao comprimento de 2 metros.


 11 - Jolmete -  Março 1972 Junto ao morteiro


16 - Jolmete - Março 1972 Fogo na Tabanca


21 - Jolmete - Abril 1972 Treinar para a carta


28 - Jolmete -  Maio 1972 Junto ao posto rádio




30-06-2012
Augusto Silva Santos



Nota de Manuel Resende:
Amigo Augusto, em relação às cuspideiras, ó se as havia ..., e tenho a certeza que se aproximavam mais dos três metros. Tivemos um caso muito grave de uma que se alojou nos cibos de protecção ao abrigo do 2º grupo, e que fazia esperas cirúrgicas ao pessoal, quando entrava no abrigo depois do jantar. Punha a cabeça na vigia e o primeiro que passasse próximo era atingido. Isto prolongou-se por bastante tempo e nunca a apanhámos. Eu cheguei a fazer esperas ao bicho com a minha pessão de ar, a Diana 35 de 5,5 (calibre), mas nunca a vi. Encontrámos mais tarde a pele (da mudança) e que tinha cerca de 2,5 metros, daí o que disse atrás.
Tivemos vários soldados atingidos, mas não me recordo se houve algo de mais grave.
Também quando andava às perdizes nos arredores do quartel, uma vez vi uma, negra e grande que se meteu num buraco de “Baga-Baga”. Como ela fugiu, continuei o meu trabalho da caça, mas assustei-me.


Comentário do nosso amigo Cuba:
Chama-se Sobral. Era de Alcácer do Sal e fui eu que falei com o médico pelo Rádio, porque os enfermeiros não sabiam qual o tratamento a fazer. O médico ia dizendo e eu escrevendo. Nunca me esqueço. Foi no abrigo do segundo pelotão, e o Sobral foi evacuado para a Metrópole. Quando chegámos a Lisboa, lá estava ele à nossa espera. Nunca ficou cego.



Publicado por
Manuel Resende (Ferreira)


23 de agosto de 2015

Post Nº 29 - A Noite da Hiena (2)

Augusto Silva Santos
Fur. Mil. da CCAÇ 3306 em Jolmete (Pelundo – Teixeira Pinto)

















2 - A Noite da Hiena

Havia rumores (através da população) de que poderia estar para breve um possível ataque ao nosso quartel, daí que se acentuasse a nossa vigilância noturna e se redobrassem alguns cuidados.

Foi numa dessas noites longas que, após ter saído da messe e, me ter dirigido para o meu abrigo, ainda com as calças na mão e já de chinelos prontinho para me deitar, somos todos surpreendidos por uma curta rajada, com todo o pessoal de G3 em punho, em trajos menores e com algumas quedas pelo meio, a correr para a vala.

Rápida foi notícia de que alguém que tentava ultrapassar o arame farpado, havia sido abatido. Passaram no entanto alguns minutos (que mais pareceram uma eternidade à espera de um possível ripostar por parte do inimigo) sem que felizmente nada se registasse.

Organizado todo o esquema para se verificar o que efectivamente tinha dado origem aos tiros, lá se chegou à conclusão que o inimigo não era mais do que uma hiena que, por motivos óbvios, se havia aproximado em demasia do curral das vacas, e que tinha sido abatida por um dos sentinelas.

Não passou de um valente susto, aquela que ficou conhecida como a noite da hiena.


Jolmete - Janeiro 1972 A minha lavadeira.jpg


Jolmete - Fevereiro 1972 Tabanca.jpg


Jolmete - Março 1972 Entrada do Quartel.jpg


Jolmete - Abril 1972 Matança de uma vaca.jpg




30-06-2012
Augusto Silva Santos



Publicado por
Manuel Resende (Ferreira)