Augusto
Silva Santos
Fur. Mil.
da CCAÇ 3306 de Jolmete (Pelundo – Teixeira Pinto)
3. A Cobra Cuspideira
Embora a maioria do
pessoal da minha Companhia fosse constituída por Soldados do norte do país,
nomeadamente de Trás-os-Montes, portanto por pessoas habituadas a trabalhar no
campo e a lidar com os mais variados animais, ou seja, sem qualquer medo de
bichos, sempre havia um outro que, pelos mais diversos motivos, não podia ouvir
falar em cobras.
Foi uma dessas situações
que levou a que se inventasse que já se havia visto perto do quartel cobras
cuspideiras, bicho terrível que poderia cegar uma pessoa, ao cuspir o seu
veneno para os olhos.
Era uma realidade, no
entanto ainda hoje desconheço se existem ou não cobras cuspideiras na Guiné (*),
não tendo isto na altura passado de uma mera invenção para assustar um dos
Soldados, que tinha um terrível pavor que tal lhe viesse a acontecer. Mal ouvia
o rastejar de um rato ou de um lagarto em cima da chapa que cobria o abrigo, aí
estava ele em alerta total. Lembro-me que a esses lagartos chamávamos de “paga
dez”, por estarem sempre a fazer o que pareciam flexões.
Para em definitivo (ou
não) se tentar acabar com aquela fobia, alguém um dia se colocou no lado de
fora numa das vigias do abrigo imitando o rastejar e o silvo de uma cobra, para
atrair o coitado do Soldado, que estava na sua hora de descanso. Para completar
a situação, outro entrou no abrigo a gritar que lá fora estava uma enorme
cobra.
Tendo aquele espreitado
pela vigia para ver se via algo, é-lhe despejado um valente bocheco de água nos
olhos. Escusado será dizer que o infeliz deitou a correr para o meio da parada,
com alguns trambolhões pelo meio, pois tentava tapar os olhos com as mãos,
gritando: - Estou cego, estou cego, estou cego!...
Obs.: (*) Mais tarde viria a confirmar que efectivamente
existem, e que são mesmo muito perigosas. Trata-se da cobra “Naja nigricollis Reinhardt” que normalmente chega ao comprimento de 2
metros.
16 - Jolmete - Março 1972 Fogo na Tabanca
21 - Jolmete - Abril 1972 Treinar para a carta
28 - Jolmete -
Maio 1972 Junto ao posto rádio
30-06-2012
Augusto
Silva Santos
Nota
de Manuel Resende:
Amigo
Augusto, em relação às cuspideiras, ó se as havia ..., e tenho a certeza que se
aproximavam mais dos três metros. Tivemos um caso muito grave de uma que se
alojou nos cibos de protecção ao abrigo do 2º grupo, e que fazia esperas
cirúrgicas ao pessoal, quando entrava no abrigo depois do jantar. Punha a
cabeça na vigia e o primeiro que passasse próximo era atingido. Isto
prolongou-se por bastante tempo e nunca a apanhámos. Eu cheguei a fazer esperas
ao bicho com a minha pessão de ar, a Diana 35 de 5,5 (calibre), mas nunca a vi.
Encontrámos mais tarde a pele (da mudança) e que tinha cerca de 2,5 metros, daí
o que disse atrás.
Tivemos
vários soldados atingidos, mas não me recordo se houve algo de mais grave.
Também
quando andava às perdizes nos arredores do quartel, uma vez vi uma, negra e
grande que se meteu num buraco de “Baga-Baga”. Como ela fugiu, continuei o meu
trabalho da caça, mas assustei-me.
Comentário
do nosso amigo Cuba:
Chama-se
Sobral. Era de Alcácer do Sal e fui eu que falei com o médico pelo Rádio,
porque os enfermeiros não sabiam qual o tratamento a fazer. O médico ia dizendo
e eu escrevendo. Nunca me esqueço. Foi no abrigo do segundo pelotão, e o Sobral
foi evacuado para a Metrópole. Quando chegámos a Lisboa, lá estava ele à nossa
espera. Nunca ficou cego.
Publicado
por
Manuel
Resende (Ferreira)