29 de outubro de 2015

Post Nº 41 - A minha passagem pelo Depósito de Adidos (14)

Augusto Silva Santos
Fur. Mil. da CCAÇ. 3306 em Jolmete - (Pelundo-Teixeira Pinto)















14 - A minha passagem pelo Depósito de Adidos

Depois da partida do BCAÇ.3833 para a metrópole no navio Uíge, que ocorreu em Dezembro de 1972, fui colocado no Depósito Geral de Adidos em Brá. Naquele Batalhão pertenci à CCAÇ.3306 colocada Jolmete, para onde fui em rendição individual.

No Depósito de Adidos, para além do serviço na Secção de Justiça como escrivão, tinha também periodicamente, para além dos serviços inerentes à Unidade, a missão de fazer Sargento de Dia à Casa de Reclusão Militar. Lembro-me que no primeiro dia em que isso aconteceu, no Render da Guarda tinham desaparecido 12 reclusos, que entretanto ao longo da semana foram voltando. Na segunda vez desapareceram mais 5, que mais tarde também voltariam a aparecer. Esta era uma situação comum com outros camaradas que faziam esse mesmo serviço, que igualmente se queixavam e viviam o problema.

Nunca ninguém (pelo menos no meu tempo) chegou a saber ao certo por onde os presos fugiam, só sei que eles saíam para ir ao Pilão a Bissau (às “meninas”) e deliciarem-se com alguns petiscos, e que mais tarde voltavam sempre (alguns obviamente eram apanhados pela PM). Tive alguns dissabores (ameaças de levar uma “porrada” se os reclusos não aparecessem), pelo que a partir de determinada altura e, por sugestão de outros camaradas mais antigos (inclusivé de um 1º Sargento), combinei com um dos reclusos (o mais velho, um Fuzileiro com a alcunha de “Grelhas” e que se dizia havia tido um “confronto directo” com o Cor. Paraquedista Rafael Durão, tendo este como consequência, partido uma mão), para fazer uma “escala de saída”, com a condição de todos estarem presentes ao Render da Guarda. Remédio santo, ou seja, nunca mais faltou nenhum recluso quando estava de serviço. A esta distância parece caricato, mas o que é certo é que a “medida” funcionou (para mim e para os reclusos).

O meu relacionamente com a maioria dos reclusos era regra geral muito cordial e sem grandes problemas. Alguns eram considerados como “perigosos” por terem cometido crimes com alguma gravidade no teatro de operações ou no interior das suas unidades, mas sinceramente nunca observei nada que me levasse a acreditar nessa perigosidade ou a ter receio fosse do que fosse. Relembro que, na sua maioria, eram camaradas nossos, que pelos mais diversos motivos haviam caído nesta situação. De qualquer forma não deixavam de o ser (camaradas), pelo que assim sempre os considerei, embora com as limitações a que a situação obrigava.

Quando já me faltavam escassos 3 meses para acabar a comissão, por ter discordado de uma ordem mal dada por um oficial (o que viria a ser confirmado) e chegado a via de factos, fui castigado com 5 dias de detenção. Só não apanhei 5 dias de prisão porque tinha dois louvores e tive vários Furrieis e Sargentos que presenciaram os factos a testemunharem em meu favor. Foi-me na altura dito pelo então Comandante do Depósito Geral de Adidos, um tal Major Francisco Ferreira, de alcunha “o Galo” por andar sempre todo emproado (usava um boné à Hitler), que eu tinha razão, mas que a democracia ainda não tinha chegado à tropa (sic), e que a ordem de um superior, mesmo mal dada, era para ser sempre cumprida. Como consequência, fui ainda castigado com o ter de fazer a guarda de honra ao General Spínola, na sua última deslocação a este aquartelamento, o que para mim na altura até foi mesmo uma honra.

Lembro-me que, nos finais de 1973, era já grande a tensão entre as NT, principalmente por acontecimentos como os de Guileje e Guidaje (entre outros), factos dos quais íamos tomando conhecimento por relatados de camaradas que pelo Depósito de Adidos iam passando. O facto de o PAIGC possuir os mísseis terra-ar Strela, passou a ser um grande problema para a nossa força aérea.

Também me recordo de Bissau começar então a ser cercada de arame farpado e da colocação de minas nalgumas zonas da sua periferia, e de nos ter sido comunicada a possibilidade de podermos vir a sofrer em qualquer altura um ataque por terra ou por ar, por também constar que o IN já possuía os famosos MIGs. Isto passou-se perto do final de Dezembro de 1973, altura em que terminei a minha comissão e regressei a Portugal.



 87 - Cumeré - Dezembro 1972 Com uma mascote


 88 - Cumeré - Dezembro 1972 Primeira foto à civil


89 - Cumeré - Dezembro 1972 Despedida do B.CAÇ. 3833


 Brá Agosto 1973 Dep. Adidos (2)


 Brá Agosto 1973 Dep. Adidos


Brá Fevereiro 1973 Dep. Adidos


Brá Junho 1973 Dep. Adidos







Augusto Silva Santos
19-09-2013

Publicado por
Manuel Resende (Ferreira)



20 de outubro de 2015

Post Nº 40 - Aventura com final feliz... (13)

Augusto Silva Santos
Fur. Mil. da CCAÇ. 3306 em Jolmete (Pelundo - Teixeira Pinto)














13 - Aventura com final feliz…

Todos tínhamos grande admiração pelo Comandante da Milícia. Era um grande guerrilheiro, grande conhecedor da região no Chão Manjaco, fiel aos seus princípios, amigo do seu amigo, daí que ainda hoje seja recordado com respeito pela generalidade daqueles que com ele lidaram mais de perto. Infelizmente o Dandi, como muitas outros que estiveram do nosso lado, acabaria por ter um fim trágico, após a nossa retirada da Guiné. Pura e simplesmente foi eliminado em circunstâncias mais ou menos obscuras, como é “usual” nestes casos.

Fora o aspecto militar, era uma pessoa como tantas outras e, enquadrada naquilo que era considerado natural socioculturalmente dentro das diversas etnias na Guiné, ou seja, com um peso religioso muito determinante no que respeita ao relacionamento e tratamento dos seus filhos e suas mulheres.

Sendo quem era, para além do que já referi no contesto militar, também no aspecto civil, se assim se pode considerar ou desassociar, era igualmente muito respeitado (ou temido?), tendo um estatuto acima da média dos restantes elementos da população masculina da tabanca, daí que no meu tempo de Jolmete, era casado (ou possuía) 4 mulheres. Era uma situação perfeitamente aceite por todos tendo em conta a sua crença religiosa, que nem sequer chocava aqueles que, da nossa parte, se assumiam mais ortodoxos quanto a esses hábitos, religiosamente falando.

Até aqui tudo bem, só que o nosso amigo Dandi nem sempre se mostravam muito “civilizado” (no nosso conceito) relativamente ao relacionamento que tinha para com as suas mulheres, sendo por vezes uma pessoa muito agressiva e até prepotente. Era do nosso conhecimento que com alguma frequência lhes batia, principalmente nas mais velhas, algo que de facto nos incomodava mas, dadas as circunstâncias, não tínhamos grandes hipóteses de interferir.

Estando este facto em determinada altura a tomar proporções alarmantes, diria mesmo, preocupantes, uma das suas mulheres tomou a decisão de fugir, daí ter tentado por diversas vezes obter sem êxito o “passaporte” (guia de transporte) para dali sair e assim escapar aos maus tratos a que estava a ser sujeita.

Ora isto era algo quase impensável, e ninguém se atrevia a deixar sair umas das mulheres do Dandi, sem ele ter conhecimento de tal facto. Ela só poderia ausentar-se de Jolmete se houvesse uma prévia autorização do Comandante da Milícia. Pôr-se a caminho sozinha, estava fora de questão, pois seria facilmente apanhada, pelo que a única solução era mesmo aproveitar uma das ausências do marido para sair através de um transporte, primeiro até ao Pelundo, e depois com ajuda de familiares iria tentar seguir para norte. Para que isto resultasse era preciso o envolvimento (conivência) de várias pessoas, dada a “complexidade” da situação.

Tomada a decisão por parte do meu amigo Borges, 1º Cabo impedido do Comandante de Companhia, em ajudar a infeliz mulher, restava organizar o esquema para que os resultados fossem os desejados. Assim, em determinado dia de ausência mais ao menos prolongada do Dandi e coincidente com uma coluna para o Pelundo, combinou-se a fuga da Nhimba Djassi. Para não sair directamente do quartel, ela apanhou a viatura na bolanha onde íamos à água, cujo abrandamento era quase obrigatório, e onde se montava sempre uma pequena segurança para entrada de outro pessoal. A mesma era conduzida pelo nosso amigo “Bob”, que já estava identificado com o esquema. Sendo eu o chefe de viatura, limitei-me a conferir se estava tudo correcto com a guia de transporte, e lá seguimos viagem.

Até ao dia em que o Dandi chegou e se deparou com a fuga desta sua mulher, as coisas aparentemente correram bem, só que não tendo ele conseguido trazer de volta a Nhimba para casa por já não estar no Pelundo, começaram as complicações. Soubemos mais tarde que ela havia conseguido chegar até ao Cacheu, e dali até uma aldeia na fronteira do Senegal, sítio onde praticamente estaria a salvo de uma possível investida do seu marido.

O Comandante de Companhia ainda tentou resolver pessoalmente o assunto, mas não conseguiu convencer o Dandi a esquecer o comportamento da mulher, pelo que o acontecimento passou para o conhecimento do Comandante de Batalhão, e mais tarde para o Comandante do CAOP1, Coronel Paraq. Rafael Durão. Quando o vimos sair da sua DO a perguntar pelo Cabo que havia passado a guia de transporte para a Nhimba, para lhe partir o “focinho” (era hábito ele resolver tudo ao murro e à chapada), o Borges já não sabia onde se havia de meter, e nós pensámos logo, “estamos feitos”.
Comigo e com o “Bob” acabou por não haver qualquer problema, pois limitámo-nos a dar cumprimento ao que era normal nestas situações mas, com o Cabo “Bigodes”, tendo a situação ultrapassado o que estava estabelecido, as coisas começaram a complicar-se. Importa salientar que o Dandi era medalhado com a Cruz de Guerra, e tinha alguma influência / impacto junto das altas esferas militares, e foi assim que inclusive o assunto chegou também ao conhecimento do General Spínola.

Tendo este acontecimento ocorrido já bem perto do final da comissão e, portanto, já de saída de parte do Batalhão para o Cumuré, começaram desde logo a correr os mais variados boatos tais como, que o Borges ia ficar preso, que o Companhia ia ser castigada com mais tempo de comissão, que o Dandi havia de se vingar, enfim era já a ansiedade da partida para a metrópole a baralhar o raciocínio do pessoal.

A situação não ficou resolvida sem o nosso amigo Borges ser chamado ao Quartel-General já bem perto do dia do embarque, onde se deparou com uma mesa cheia de oficiais superiores para saberem o que efectivamente se havia passado. Contou ele mais tarde que o interrogatório foi de tal ordem, que a determinada altura quase faltou dizer que ele até nem gostava de mulheres, pois o problema descambou para a possibilidade do seu possível envolvimento com a Nhimba. Felizmente lá conseguiu argumentar da melhor forma (dar a volta ao texto), explicando que tudo não tinha passado de um grande equívoco e baralhação de nomes.

O General Spínola acabou por dar o caso como encerrado, mas o Cabo “Bigodes” só se sentiu realmente seguro e aliviado, quando o navio Uíge largou amarradas e, pelo Geba abaixo, se dirigiu ao alto mar.

Como se costuma dizer, não ganhou (ganhámos) para o susto… No fim, tudo acabou em bem, até porque o Dandi acabaria por aceitar sem mais problemas o desfecho. Importa salientar que a Nhimba Djassi era a sua mulher mais velha, talvez por isso se tornasse mais fácil arranjar uma outra mais nova… (minha suposição).


31 - Jolmete -  Maio 1972 Entrada do meu abrigo


32 - Jolmete - Maio 1972 Entrada do meu abrigo


48 - Jolmete -  Junho 1972 Trilhos de Pioce


 67 - Jolmete - Agosto 1972 Regresso da Bolanha de Gel


71 - Jolmete - Agosto 1972 Estrada Velha de Bula


74 - Jolmete - Agosto 1972 Regresso da segurança à água



Augusto Silva Santos
03-10-2012


Publicado por
Manuel Resende (Ferreira)




16 de outubro de 2015

Post Nº 39 - A minha 1ª noite no Jol (12)

Augusto Silva Santos
Fur. Mil. da CCAÇ. 3306 de Jolmete (Pelundo - Teixeira Pinto)














12 - A minha primeira noite no Jol

Foi em meados de Janeiro de 1971 que cheguei à sede do BCAÇ.3833 no Pelundo, com uma breve passagem por Có, sendo o meu destino final a CCAÇ.3306 em Jolmete. Estando o meu irmão colocado na CCAÇ.3307 no Pelundo, não foi difícil encontrar uma óptima recepção por parte de todo o pessoal, sentindo-me nesse aspecto praticamente em “casa”, como se costuma dizer.

Tirando esta parte boa, não foi porém fácil o primeiro dia, pois nunca consegui perceber até hoje o por quê de alguém chegar de “fresco” a uma unidade, e porem-no de imediato de serviço à mesma, sem estar minimamente identificado com ela e muito menos preparado para os possíveis perigos a enfrentar. Naquela altura eu era um “pira” sem qualquer preparação, pois tinha ali chegado em rendição individual, e à noite já estava escalado para fazer serviço. Numa situação de ataque, desconhecia por completo os meios de defesa e mecanismos a accionar e os seus posicionamentos. Eram assim que as coisas estupidamente funcionavam (o tal facilitismo), não sendo de admirar que, por vezes, se dessem acidentes, que depois se lamentavam. Era o velho esquema a funcionar do “periquito” chegou, amochou.

A minha chegada a Jolmete não foi infelizmente muito diferente do atrás referido, pois mal ali cheguei puseram-me também logo a alinhar, embora me tivessem dado pelo menos um dia (uma noite) de folga, e foi a propósito da estória do nosso camarada Juvenal Amado sobre o seu amigo Silva e do seu “periquito” (P10305 do Blog "LuisGraçaeCamaradasdaGuine"), que me lembrei dessa minha primeira noite de chegada ao quartel de Jol.

Lembro-me perfeitamente que, mal cheguei á unidade, toda a gente parecia que já me conhecia há muito tempo, e todos já sabiam (inclusive alguns elementos nativos, o que me surpreendeu bastante), que eu era irmão do “Chefe”, como era conhecido o meu irmão Arménio Silva Santos, Furriel Mec. Auto colocado no Pelundo, conforme referi anteriormente.

Só me interrogava como é que, com a diferença de apenas um dia e uma distância de cerca de 18 kms., toda aquela gente já sabia quem eu era. No que respeita ao pessoal militar, não era de admirar mas, em relação ao pessoal da tabanca, era de ficar preocupado (pensava eu na altura).

Mas felizmente era apenas e só a minha preocupação de “pira” a funcionar, pois nada de anormal se passou, só que, ao contrário do que aconteceu com o “pira” do Juvenal, no meu caso era ver quem mais “álcool” me conseguia fazer beber e, obviamente, pagar.

Tanto quanto foi possível lá me fui aguentando, normalmente tentando disfarçar as grandes quantidades de whisky com coca-cola à mistura. Como sabia e “escorregava” bem, consegui manter-me durante um bom par de horas a ouvir alguns dos acontecimentos mais significativos dos últimos 12 meses (a eterna tentativa de “acagaçar” os recém chegados), e sinceramente não dei conta que já me encontrava muito perto dos limites.

Enquanto estive sentado, a coisa correu bem, o pior foi mesmo quando fiz mais do que uma tentativa para me levantar, e as pernas não me obedeciam. A minha intenção de evitar apanhar uma primeira bebedeira em terras da Guiné, definitivamente não tinha resultado. Estava mesmo embriagado e, só com alguma ajuda, lá me consegui pôr a caminho do meu abrigo. Pelo meio fui “apanhado” pelo Cabo da ronda que, “simpaticamente” me perguntou se precisava de ajuda, depois de me ver de joelhos e a vomitar.

Bonito exemplo logo no primeiro dia, pensei eu…
Mas a “praxe” tinha sido cumprida e, no outro dia, era como se nada se tivesse passado. Nunca mais ninguém falou nisso, eu é que durante largos meses, nunca mais pude ver à minha frente aquela “maldita combinação” de whisky com coca-cola. Foi mesmo de arrasar…



 10 -Jolmete - Fevereiro 1972 Tabanca


 18 - Jolmete - Abril 1972 Convívio na messe


 19 - Jolmete - Abril 1972 Convívio na messe


 22 - Pelundo -  Abril 1972 A caminho do abrigo


23 - Teixeira Pinto -  Abril 1972 Estação dos Correios




Augusto Silva Santos
20-09-2012

Publicado por
Manuel Resende (Ferreira)