Augusto Silva Santos
Fur. Mil. da CCAÇ 3306 em Jolmete
(Pelundo - Teixeira Pinto)
15 - “O segredo de…”
Depois de ter lido o recente poste
do camarada António Graça de Abreu sobre esta série e, de igualmente ter
consultado alguns dos postes anteriores sobre este mesmo tema por influência do
que o Luís Graça escreveu, no seu blog "Luís Graça e Camaradas da
Guiné", ganhei coragem para partilhar convosco algo que menos de meia
dúzia de pessoas até hoje tomaram conhecimento.
No meu tempo de Guiné, mais
propriamente aquando da minha passagem pela Secção de Justiça do Depósito de
Adidos em Brá no ano de 1973, procedi a algo que, na altura a ser descoberto,
no mínimo constituiria matéria do foro do direito penal militar, mas do qual
ainda hoje não me arrependo por considerar que, em consciência, procedi de
forma a aliviar um sofrimento desnecessário de um camarada.
A única situação que ainda me pode
causar algum arrependimento, relaciona-se com o facto de ter traído a confiança
do Chefe da Secção de Justiça, pessoa com idade para ser meu pai, que em mim
confiava e que na realidade me tratava como um filho. Mantinha com ele uma
relação muito franca e cordial, daí ainda hoje o meu constrangimento.
Conforme já mencionei em poste
anterior, o facto de estar colocado no Depósito de Adidos, obrigava a que
periodicamente fosse escalado para fazer Sargento de Dia à Casa de Reclusão
Militar igualmente sita em Brá, tendo num desses serviços tomado conhecimento
de que um Soldado Condutor do meu ex-B.Caç.3833, mais propriamente da C.Caç.3307,
e que a mim se dirigiu, se encontrava detido há já seis meses, pelo facto de
numa das suas últimas deslocações do Pelundo para Bissau numa coluna de reabastecimento,
na estrada perto de Có, ter atropelado mortalmente um guineense, na sequência
do qual lhe foi movido um processo. Depois do Batalhão ter regressado à metrópole
em Dezembro de 1972, aquele mesmo processo transitou para a Secção de Justiça
do Depósito de Adidos, na qual eu exercia então a função de escrivão.
O Soldado em questão encontrava-se
numa situação delicada e sem perspectivas de o processo ter um fim breve e
favorável a seu rápido regresso à metrópole, primeiro porque a vítima se
tratava de alguém importante na tabanca onde habitava, e depois porque os
testemunhos sobre como o atropelamento se havia dado há bastantes meses atrás, eram
algo contraditórios relativamente às pessoas inquiridas. Os militares então
ouvidos disseram que a culpa havia sido do guineense que atravessou a estrada
de repente e entre as viaturas que constituíam a coluna, sem ter dado tempo a
uma travagem, e os testemunhos dos guineenses então também inquiridos, diziam
que a viatura conduzida pelo Soldado em questão seguia em excesso de velocidade
e que nem havia tentado uma travagem. O Condutor que comigo várias vezes falou
sobre o assunto, garantia-me que o infeliz se havia atravessado entre a viatura por si conduzida e a que
seguia na sua frente a curta distância, facto que não permitiu que o tivesse
avistado a tempo de travar, pelo que não se considerava culpado do
atropelamento.
O processo continuava a arrastar-se
sem fim à vista, embora o já mencionado Oficial de Justiça, de alguma forma por
mim “pressionado”, já tivesse manifestado a intenção de dar conclusão ao mesmo
após o seu regresso de férias à metrópole, o que representava a prisão efectiva
do infeliz Soldado, no mínimo por mais dois meses. Aproveitando a ausência do Oficial em questão em gozo de férias, procedi
ao “crime” de dar o processo como concluído e remetido o mesmo para despacho,
falsificando a assinatura do Capitão. Desta forma, passado poucos dias o
Soldado saiu da situação absurda de recluso, tendo o seu regresso à metrópole
sido uma realidade passado pouco tempo.
Importa salientar que os processos
na Secção de Justiça eram tantos que o Capitão (felizmente para mim) nunca mais
se lembrou daquele, e que o Soldado em questão apenas tomou conhecimento que eu
havia pedido para que a conclusão do seu processo fosse célere, e nunca da
situação atrás relatada.
Apelo à compreensão de todos os
camaradas por esta minha atitude tomada em tempo de guerra e em circunstâncias
então vividas, e apenas levada a cabo com o intuito de auxiliar um camarada
alegadamente inocente. Se o nosso camarada Joaquim Luís Fernandes que, tal como
eu, prestou serviço naquela Secção de Justiça, ler este meu relato, espero
igualmente a sua compreensão.
Nota:
Neste relato por mim escrito passados mais de 40 anos desta
ocorrência, cometi um pequeno erro devido ao facto a distância temporal, que
agora aproveito para corrigir. O acidente ocorreu efectivamente na estrada do
Pelundo para Teixeira Pinto, e não do Pelundo para Có, como acima referi.
Esta situação foi-me recentemente
corrigida, mais precisamente no passado mês de Junho do ano em curso pelo Júlio
Ledo, o ex-Soldado Condutor envolvido no acidente em questão, e com o qual me
encontrei por iniciativa de um outro ex-camarada, passados 42 anos.
Nunca esperei que tal viesse a acontecer,
pois não era minha intenção nem era de supor que o Júlio viesse a tomar conhecimento
da situação relatada, mas a vida tem destas coisas…
4.Brá,
Junho 1973 Dep. Adidos
Aveiro.
Jun.2015 Júlio Ledo, A.S.Santos, Quim Zé
Augusto Silva Santos
21-01-2013
Publicado por
Manuel Resende (Ferreira)