Manuel Cármine
Resende Ferreira
Alf.
Mil. Art. em Jolmete (Pelundo – Teixeira Pinto)
CCAÇ
2585 – BCAÇ 2884
Caros
camaradas e leitores:
Como
já tinha prometido anteriormente, vou publicar um texto do nosso amigo
Veríssimo Ferreira, que também passou por Jolmete (ver post Nº 27). São dois
temas diferentes “eu sou do tempo em que” e “os melhores 40 meses da minha
vida”, mas que se completam. Para não tornar o texto muito extenso (mas que se
lê com muito agrado), dividi em vários capítulos.
Por:
Veríssimo Luz Ferreira
Fur. Mil. da CCAÇ
1422 - Pelundo
EU SOU DO TEMPO EM QUE:
1 - (1947, 1948 e mais) a minha mãe
enquanto lavava a roupa das patroas, ia apanhando e fritando uns peixes
atrevidotes que por ali andavam à babugem do sabão;
2 - (1948 e 1949) bebia pelo caminho,
metade do capilé qu'a minha avó me mandava comprar à taberna do Sr. Firme, para
adoçar aquela coisa a que chamavam café e mais não era que grão e boletas
torradas e moídas;
3 - (1949, 1950, 1951) com um tostão,
comprava duas castanhas assadas... dois rebuçados ou um pirolito, na ti Maria,
qu'as vendia ali à porta do clube dos ricos, na Ponte de Sôr;
4 - aprendi a pescar no rio, para
sobreviver e poder ir ao cinema, qu'os barbos rendiam três escudos o quilo;
5 - limpava os pés ao sair de casa, porque
assim não sujaria a rua com a lama;
6 - em que os colchões eram feitos com
as folhas secas do milho e a cama com tábuas dos caixotes das sardinhas;
7
- (1949) era obrigado a ir à catequese;
8 - saltava os valados da horta alheia, para
roubar a fruta da época;
9 - jogava à bola descalço;
10 - pisava com dor a geada quando ia pr’á
escola;
11 - vivia num beco sem saída, no bairro
conhecido por Puto Gatuno;
12 - tinha como amigos, o Manel Beatriz, O Xico
Zé, O Tatunas, O Vultos;
13 - brincava ao Zorro, ao Águia Negra;
14 - era feliz;
15 - era livre.
Depois cresci.
16 - me doutorei com a 4ª classe aos nove anos
(1951);
17 - aos dez aprendi a carregar com sacos de 75
quilos, às costas;
18 - ao fim do mês levava 20 escudos pra casa;
19 - ia acompanhar o meu pai, a pescar ao
Domingo, no Poceirão porque a esposa do moleiro me dava um lauto almoço de
feijão com couve e com pão de milho esfarelado e azeite por riba;
20 - recebi a comunicação a informar que o
pedido do meu "velhinho" para que eu viesse a estudar de graça, não
seria satisfeito porque se verificara , que tínhamos posses suficientes (como
mais tarde soube, a informação fora dada pela entidade competente, só que o meu
pai era servente de pedreiro e ganhava 17 escudos por dia e a minha mãe mulher
a dias com 15 escudos, também por dia, mas só nos dias em que trabalhavam, o
que acontecia duas ou três vezes por semana);
21 - porém poderia ser aceite no seminário e vir
a ser padre;
22 - soube então, o que era o ódio;
23 - não mais pensei senão em vingança;
24
- cheguei aos 13 anos de idade, (1955);
25 - comecei a ganhar vícios;
26 - as barbas de milho primeiro, embrulhadas em
papel zig-zag e mais tarde veio o mata-ratos, os provisórios e daí em diante
foi sempre a melhorar até chegar aos 20-20-20 mais o Paris;
27 - o patrão achou por bem, que eu passasse
para o escritório e pagava-me 250 escudos por mês;
28 - aprendi a utilizar a Remington com teclado
nacional;
29 - adquiri uma telefonia onde me deliciava a
ouvir os relatos do futebol e assim já nem precisava d'ir aos Bombeiros, onde
por 50 centavos, também tomava semanalmente banho ao sábado, para ir bem
cheiroso aos bailes na esplanada... às Barreiras ou à Torre das Vargens;
30 - usei os 1ºs sapatos para engraxar, qu'até
ali e desde os 10, só usara botas com sola de pneu que levavam sebo, que o Sr.
Salvador do talho, me dava;
31 - mudei para uma casa maior com água
canalizada e electricidade onde tinha um quarto só pra mim e tendo comprado um
chuveiro portátil... passei a tomar banho todos os dias após os 15 minutos da
ginástica matinal;
32 - descobri a beleza feminina e
"ela" não era só linda, com cintura de vespa e ancas largas, como
também se vestia bem e aquela farda preta do colégio ficava até favorecida;
33 - descobri o que era amar, mas ela não ligava
a gente pobre;
34
- achei que estava na altura de me cultivar, (1956);
35 - influenciado pelas orquestras de baile: Os
Invencíveis de Ponte de Sôr, A Ideal mais
a Ferrugem de Portalegre, Os Canários do Pego, Tulipa Negra de Abrantes,
Figueira Padeiro e outras;
36 - aprendi o fá-lá-dó-mi e também o
mi-sol-si-ré;
37 - toquei na Banda Filarmónica;
38 - estudei o curso liceal à noite, graças a
preciosos e inesquecíveis Amigos;
39 - nos amores, fui cumprindo e em cada
freguesia tinha namorada, mais para nos bailes não me faltar o par;
40 - aos Domingos pairava no largo da igreja,
para ver sair da missa as "piquenas";
41 - à tarde, com os amigos da mesma idade,
frequentava qualquer taberna e petiscávamos;
42 - o Brylcream existia e a popa à Elvis
ficava-me bem, diziam-me elas; P.S. Ah!!!
já se me olvidava...
43 - e as mães também;
44 - esmurrei a baquelite do
rádio, só porque o Arsénio marcou dois golos seguidos;
45 - coloquei um verdadeiro bacalhau seco no
anzol e saquei-o do rio, na Pedreira, quando o chato do guarda-rios
sub-repticiamente chegou;
46 - catrapisquei a namorada dum amigo meu, mas
arrependi-me;
47 - comecei a ir ver o Eléctrico ali atrás dos
Cadeirões;
48 - conheci o grande guarda-redes Luis Serralheiro e o Maurício, mais o Manel
Mirolha;
49 - o meu tio João da Rosita, defendia no Matuzarense;
50 - o treinador era o meu primo Augusto Veigas;
51 - quis também ser jogador
da bola mas faltava-me o jeito;
52 - nos sábados à tarde, a maralha começou a banquetear-se na horta da mãe do Fernando
Gravelho, ali a caminho da Fonte Esteves;
53 - comprei a 1ª bicicleta nova no Sr. Zé Alcaravela;
54 - aliciei com rebuçados o irmão da minha amada d'então, sim... aquela bera
que não me ligava peva;
55 - fui detido pela GNR e
inquirido pela PIDE;
56 - em boa verdade fui eu quem escreveu, a
troco de três escudos e cinquenta por folha A4, toda a propaganda política
(distribuída na P. Sôr) favorável ao Sr. General Humberto Delgado e não o
neguei;
57 - Ilibado fui por pressão do Sr. Presidente
da Câmara;
58 - tinha então 16 anos e sonhava ainda;
59 - do cagaço, não me livrei;
(continua)
Por:
Veríssimo Ferreira (2015)
Publicado por
Manuel Resende (Ferreira)